NOVA PÁGINA DA TRIBO!

  Confira o novo site da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui traveiz

Críticas sobre os primeiros passos da Tribo, 39 anos depois!

Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz - 40 Anos!

Nesta quinta feira compartilhamos mais duas críticas sobre as experimentações do Ói Nóis Aqui Traveiz no final da década de 70. Através das impressões de dois jornalistas podemos ter uma noção de como foi o surgimento do grupo e de como a cidade recebeu o seus primeiros rastros de ousadia e ruptura!


Correio do Povo, sexta-feira, 7 de abril de 1978

"Duas Peças de Julio Vieira"


O teatro tem lugar em qualquer parte. Já o vimos em garagem, porão, apartamento, igreja, palacete, boate e isso de Paris e Rio a Buenos Aires.
Após o Aldeia II da Rua Santo Antônio e de algo na Independência e de Encontro à Rua da República, é a vez de "Ói Nóis Aqui Traveiz", em exíguo local que foi boate à Rua Ramiro Barcelos, próximo à Rua Cristóvão Colombo.
Se o Café - Teatro tem tanta voga em Buenos Aires, aqui temos outra variante mais modesta e despojada da era da contracultura, do antiteatro e da contestação, cujos padrões se entrecruzam no teatro internacional e que nos têm vindo ao Brasil, seja dos EUA, seja da Argentina.
Entre nós, Luiz Artur Nunes, quando veio de Nancy, animou um labor de vanguarda numa das salas do Edifício da Reitoria da UFRGS em forma então insólita, que, após, muito se difundiu em Porto Alegre não esquecendo tudo quanto o Teatro de Arena do Viaduto já propôs através de uma década de vivências teatrais, além do DAD e de outros centros e apresentações no Clube dos Flautistas, no Auditório do Palácio Farroupilha e mais ainda.
Em fins de 77, tivemos, num recanto do teatro do IAB, NÃO ME VIU, SE ME VIU…, concebido por Rafael Baião e dirigido por Sílvia Veluza e agora temos em foco duas peças de Júlio Vieira sob a direção de Paulo Flores.
Em ambiente intencionalmente despojado, tosco e para pouca gente, tivemos a proposta da "Divina Proporção" e "A Felicidade não Esperneia: Patati, Patatá".
Em espaço retangular, com bancos para a assistência e área cercada de arame farpado e com o lixo de jornais velhos, o elenco emerge da papelada.
O grupo conta com Júlio e Paulo na orientação e atuam Rafael Baião, Sílvia Veluza, Jucema Gonçalves, Beatriz Tedesco, José Paulo Nunes, Alfredo Guedes, Rosenda Baião e outros
colaboradores da produção.
Há atuações do alto do telhado, de gaita, jogo de luz e a peça, de crítica à arquitetura-negócio dura cinqüenta minutos e a crítica à medicina-operatória noutro tanto é dedicada às vítimas da repressão…

É contrateatro à maneira de John Gay com a Ópera dos Mendigos. É teatro-lixo, sendo que a peça sobre a medicina começa com nudismo total, envolto em câmara de material plástico.
Estamos no mundo atual sob o signo da contestação total que vai da Religião à Filosofia, da Política e Sociedade às Ciências e Artes, tudo sob a égide da Liberdade que se desenfreia através da Licenciosidade e atinge as raias da libertinagem no Cinema, Teatro até a literatura sem máscara.
Aqui temos dois veementes e satíricos trabalho de crítica social pertinente e por jovens distorcidos, sendo que Júlio Vieira morou quatro anós e fez teatro no Peru e em 77 foi responsável pelo efêmero Qorpo Insano, no Clube de Cultura, sendo autor de inédito livro de contos.
É um movimento grupal independente em sua trilha fora dos moldes tradicionais e do auxíllo oficial. '

ALDO OBINO

"É esperar o Ói Nóis crescer


O grupo Ói Nóis Aqui Traveiz precisou criar uma nova casa de espetáculos em Porto Alegre (na Ramiro Barcelos, 485) para poder fazer teatro fora dos esquemas convencionais. Duas peças de Júlio Zanotta Vieira foram escolhidas para estréia: A Divina Proporção e A Felicidade não Esperneia, Patati, Patatá. A tentativa é a de fazer um teatro de vanguarda, considerando-se como tal o segunda metade do sec. XVIII, que um espectador medio entenderia como um rompimento com o teatro tradicional.
Era esse o teatro que se fazia no Brasil ao final dos atribulados anos 60, quando foram montados espetaculos revolucionários como O Rei da Vela. Na Selva das Cidades, Cemiterio de Automoveis e Roda Viva. Foi também a época em que, através da utilização de recursos como palavrões, rupturas de noções tradicionais de espaço cênico, agressões, participação da plateia e nudismo, se criaram fórmulas para o vanguardismo.
Em grande número de encenações, a partir daí, foram confundidos expressão corporal e malabarismo, nudismo e apelação, simplicidade e indigência inteleclual. Chocar o público tornou-se o principal objetivo das montagens vanguardistas quando esse deveria ser um efeito secundário e natural que uma nova linguagem provoca.
Na verdade, a vanguarda tem validade não por produzir impacto, mas sim quando se torna causa de uma transformação do homem e sua visão do mundo. Nesse sentido, a primeira grande vanguarda, provavelmente foi a do Romantismo da que rompeu com os cânones "eternos" do classissismo. Ao virarem as costas às regras clássicas, os românticos certamente chocaram os "quadrados" de então, porém sua função primordial consistia na expressão estética de um novo sentimento de vida e de uma nova visao do homem e do universo. As proposições do Romantismo foram mais tarde retomadas pelo Simbolismo a partir do qual se manifestaram as vanguardas mais recentes.
O teatro do grupo Ói Nóis retoma as posições negativistas do final da década de 60. As peças de Júlio Zanotta Vieira tem como assunto a especulação mobiliaria (nas primeiras) e a exIploração da medicina (na segunda), temas que não abordados com alusões a situações mais amplas, para englobar todo o sistema e fazê-lo o alvo de uma critica contestatória.
Os textos, porém, ficam reduzidos quase a um roteiro, pois dão ao diretor, Paulo Flores, amplas possibilidades de criação, além de permitirem improvisações dos atores. As personagens são simbólicas – por exemplo, uma super mulher representa a imobiliária – e se movem num clima igualmente simbólico. Para recriá-lo em cena, o diretor não hesitou em utilizar-se das fórmulas ja citadas.
Na montagem, entretanto, encontram-se algumas ideias interessantes como a de fazer os atores emergirem do lixo, numa imagem que nos remete a toda a sociedade de consumo. Entre os interpretes, se destaca o trabalho de Sílvia Veluza, que desempenha com muita garra seus papéis.
O resultado global é o de um espetáculo bastante ingênuo – apesar das boas intenções dos textos – o que talvez seja conseqüência da proposta simplista de não fazer um teatro bem comportado. O grupo possivelmente foi levado por isso a cometer alguns equivocos que deixam na plateia a impressäo de ter presenciado uma travessura infantil.
Naturalmente, o não pode ser considerado um firme primeiro passo. Uma vez conquistado, o caos deverá tornar-se o ponto de partida para um trabalho criativo com possibilidade de gerar espetáculos mais amadurecidos. Por enquanto, resta-nos esperar para ver como o Ói Nóis vai crescer. Ousadia e amor ao teatro não faltam ao grupo. 

MARIA LUISA PAIM TEIXEIRA