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Medeia Vozes segue em cartaz na Terreira da Tribo, nos próximos dois finais de semana!
29 e 30 de maio e 5 e 6 de junho. ENTRADA FRANCA! Distribuição de senhas 1h antes.
Foto: Pedro Isaias Lucas |
Por Maurício Alcântara
(...)É comum encontrarmos montagens que se apropriam dos clássicos gregos para estabelecer metáforas pertinentes para questões políticas e sociais da contemporaneidade – juntando a força que a arte pode ter de propor uma reflexão acerca de seu tempo, com a potência com que muitas obras da antiguidade retratam questões acerca da vida em sociedade, como discussões acerca da liberdade, da soberania, do direito, da luta contra a tirania e o autoritarismo, dos sentidos da democracia.
Medeia Vozes resgata a novela homônima da alemã Christa Wolf que revive o mito de Medeia para levantar uma subversão do mito que conhecemos sobretudo pela obra de Eurípedes. A hipótese é poderosa: e se a Medeia que conhecemos, fratricida e infanticida, não for a Medeia real, mas uma narrativa falsa que distorce a personagem de forma a encobrir os verdadeiros assassinos de seus irmãos, propagando versões falsas que servem ao interesse de quem tem mais poder para perpetuar sua versão dos fatos? Que fatos são mais convincentes, a mulher que mata seus filhos, ou a mulher que tem seus filhos assassinados para encobrir outros fatos?
A provocação é ainda maior: talvez até na ficção sejamos simpáticos às versões propagadas por aqueles que tinham mais poder para perpetuar sua versão dos fatos. Em determinado momento da peça, há uma fala que ecoa: nenhuma mentira é ruim o suficiente, desde que haja pessoas dispostas a acreditar nelas.
Partindo desta premissa, a montagem apresenta-nos uma heroína trágica que, ao contrário do mito “original”, jamais se vinga. Uma mulher pacífica, cuja única arma é a busca pela verdade e pela justiça – e que, mesmo quando é vítima da mentira e da injustiça, jamais se levanta contra seus algozes. Mesmo sendo inofensiva (ao contrário da assassina do mito), é tão perigosa do ponto de vista das ideias que é necessário imputar-lhe defeitos, crimes e más famas. As técnicas usadas pelos inimigos ancoram-se em pré-conceitos que, quando enraizados na sociedade, contribuem para assegurar a manutenção do poder nas mãos daqueles que já o têm. Na impossibilidade de Medeia ser subjugada por pertencer a uma classe inferior (por ser esposa do poderoso Jasão), ela é subjugada como mulher (impossibilitada de estar à altura dos homens) e taxada como feiticeira – com o suporte da xenofobia, outro marcador social que traça uma diferença entre ela, estrangeira, e o povo de Corinto. Nada como uma alegação de que o inimigo “não é um de nós”, para atribuir-lhe, com facilidade, qualquer defeito ou acusação desejados.
Nessa tentativa de construir uma contra-narrativa que sirva de contrapeso e consiga imprimir um outro ponto de vista à versão dos fatos criada pelos poderosos sedentos pela manutenção de seu poder, a trupe gaúcha remete a outras tantas mulheres que, assim como a Medeia protagonista, também carregaram até o fim de suas vidas o fardo de, apesar de sua resistência, serem retratadas como o oposto do que são. Essas Medeias várias que aparecem ao longo da peça evidenciam o quanto as narrativas, as construções simbólicas, as relações de poder e as consequências práticas e trágicas de nossas culturas contemporâneas sempre correm o risco de propagar a manutenção de forças desiguais de poder.
A Medeia do Ói Nóis é mais do que um estandarte da luta contra as relações de desigualdade de gênero. É também um grande monumento para a luta pela construção de uma história menos universal e mais polifônica, trazendo junto com cada voz e cada ponto de vista, uma possibilidade de narrativa que possa por em cheque as narrativas dominantes – e é por isso que tal montagem se faz tão necessária(...).
Crítica de Maurício Alcântara, publicada na Revista Eletrônica Bacante.
Medeia Vozes ganhou o Prêmio Açorianos em 8 categorias (melhor espetáculo, atriz para Tânia Farias, cenografia, iluminação, trilha para Johann Alex de Souza, dramaturgia, produção e direção), além do troféu do Júri Popular. E em 2014 ganhou mais um prêmio açorianos na categoria de melhor espetáculo, concedido pela EEPA (Escola de Espectadores de Porto Alegre).
Serviço:
Medéia vozes - Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz
Local: Terreira da Tribo (Rua Santos Dumont, 1186)
Dias: de 8 de maio a 6 de junho (sextas e sábados)
Horário: 19h30
Classificação etária: 16 anos
Duração: 210 min
Entrada Franca
Ficha Técnica: Criação, Direção, Dramaturgia, cenografia, figurinos criados coletivamente pela Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz
Música: Johann Alex de Souza
Preparação Vocal: Leonor Melo
Participam da encenação os atuadores: Tânia Farias, Paulo Flores, Marta Haas, Sandra Steil, Eugênio Barbosa, Paula Carvalho, Jorge Gil Nazário, Clélio Cardoso, Roberto Corbo, Letícia Virtuoso, Geison Burgedurf, Mayura Matos, Keter Atácia, Pedro Rosauro, Daniel Steil, Luana Rocha, Márcio Leandro, Thales Rangel, Alex dos Santos e Pascal Berten.
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