Neste
domingo, dia 8 de julho, às 15 horas, no Parque da Redenção
(próximo do Monumento ao Expedicionário) a Tribo de Atuadores Ói
Nóis Aqui Traveiz volta a encenar a sua última criação de Teatro
de Rua “Caliban - A Tempestade de Augusto Boal”. Na próxima
semana a Tribo viaja para São Paulo onde apresenta “Caliban” no
Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto além de
participar de um circuito nas cidades de Presidente Prudente e Bauru
numa promoção do SESC/SP.
 |
Foto Pedro Isaias Lucas |
Impulsionada
pela ideia de que “somos todos Caliban” a Tribo de Atuadores Ói
Nóis Aqui Traveiz criou a encenação para Teatro de Rua “Caliban
– A Tempestade de Augusto Boal”. A encenação analisa
criticamente a “tempestade” conservadora que hoje sofre a América
Latina, e especialmente o grande retrocesso nos direitos sociais e na
luta pela autonomia econômica, política e cultural que vivemos no
Brasil. Momento fecundo para retomar Caliban enquanto representante
das opressões advindas deste encontro colonial, colocando em foco o
discurso de resistência evidenciado nesta figura. Agora Caliban não
é mais somente o colonizado. Ele é a representação dos oprimidos
de toda sorte que residem neste país chamado Brasil. Para o Ói Nóis
Aqui Traveiz encenar “Caliban – A Tempestade de Augusto Boal” é
gerar outros discursos, histórias e narrativas, produzir e
reconhecer outros lugares de enunciação. Caliban é a reivindicação
da legitimidade do “diferente”. Caliban é símbolo da identidade
latino-americana e da resistência ao neo-colonialismo.
 |
Foto Fabiano Ávila |
A
partir de meados do século XX, Caliban, personagem da peça “A
Tempestade” de William Shakespeare, escrita em 1611, tem sido
adotado por diversos autores do Caribe e América Latina como ícone
cultural, sendo considerado um emblema das populações originárias
colonizadas. Caliban, anagrama de canibal, na peça do bardo inglês
é o personagem nativo da ilha tropical onde Próspero, duque de
Milão que foi traído e usurpado de seu poder, e sua filha Miranda
vão encontrar abrigo. Caliban é escravizado e segue as ordens de
Próspero, que se apresenta como um benfeitor, por lhe perdoar a vida
e lhe ensinar sua língua. Shakespeare apresenta Caliban como um ser
humano inferior em todos os sentidos. Em seu livro “Caliban e
outros ensaios” o escritor cubano Roberto Fernández Retamar,
diretor da Casa de las Americas, vai ressaltar a potência da figura
de Caliban para assinalar o passado de exploração e escravidão de
uma América ainda desejosa por lutar contra o domínio imperialista.
Ao explicitar que somos todos Caliban, Retamar nos chama atenção
para as implicações de se repensar a história a partir do “outro
lado”, do olhar dos vencidos, assumindo a condição de Caliban. E
é sobre a influência de Retamar que o diretor e dramaturgo Augusto
Boal (1931-2009), conhecido mundialmente pelos princípios e as
técnicas do Teatro do Oprimido, vai escrever a sua versão de “A
Tempestade”, afirmando que a peça é uma resposta ao clássico de
Shakespeare. Escrita enquanto Boal estava no exílio, em 1974,
período em que os movimentos sociais latino-americanos sofriam uma
grande derrota frente ao imperialismo estadunidense e eram
terrivelmente reprimidos pelas ditaduras civil-militares. Na versão
de Boal a história é vista pela perspectiva de Caliban, metáfora
dos seres humanos originários da América que foram dizimados e
escravizados pelos invasores colonizadores representados pelo
personagem Próspero. O duque de Milão é tão perverso quanto os
nobres europeus que usurparam o seu poder. Todos representam a
violenta dominação colonial e cultural. Sua filha Miranda e o
príncipe de Nápoles, Fernando, fazem uma aliança não por amor
como na peça de Shakespeare, mas sim por interesses capitalistas.
Ariel, o “espírito do ar”, representa o artista alienado, mescla
de escravo e mercenário a serviço da ordem constituída. Somente
Caliban se revolta até ser finalmente, derrotado. Os vilões
permanecem na “ilha tropical” para escraviza-lo. Mesmo escravo,
Caliban resiste.
 |
Foto Pedro Isaias Lucas |
Na “era
Trump”, em que estamos vivendo, a política do ódio e da
intolerância se espalha por toda parte, disseminando o xenofobismo,
o racismo, a misoginia e a homofobia. Quando no nosso país, a
democracia é golpeada e se instala no poder um governo ilegítimo, é
imprescindível para o Ói Nóis Aqui Traveiz estar nas ruas. A
Tribo, sem trair a sua vocação artística, quer com o seu Teatro de
Rua instaurar a alegria e a indignação nos seus milhares de
espectadores. Como em todo bom teatro político, o público deve
perceber que os símbolos da obra remetem à realidade, para
despertar neles – emotiva e racionalmente – uma resposta crítica
fora da ficção. Para seduzir o público anônimo e passageiro das
ruas das cidades, a criação coletiva do Ói Nóis Aqui Traveiz
investe em um movimento de cena dinâmico com personagens
excêntricos, utilizando adereços e figurinos impactantes com
máscaras e bonecos. A narração é toda contagiada pela música, o
canto e a dança. Mesclando os movimentos do coro com ações
acrobáticas, cenas de humor irreverente e personagens clownescos com
uma narrativa épica, “Caliban – A Tempestade de Augusto Boal”
reflete alegoricamente a nossa sociedade.