NOVA PÁGINA DA TRIBO!

  Confira o novo site da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui traveiz

Evocando os Mortos em Maringá

 
Foto: Pedro Isaias Lucas

 

 

DESMONTAGEM EVOCANDO OS MORTOS - POÉTICAS DA EXPERIÊNCIA

 

5 E 12 DE OUTUBRO NO TEATRO BARRACÃO

19 DE OUTUBRO NO TEATRO REVIVER

SEMPRE AS 20H30 

ENTRADA GRATUITA






A memoriosa

Cada imagem visual estava ligada às sensações musculares, térmicas, etc.
Podia reconstruir todos os sonhos, todos os entressonhos
Jorge Luís Borges em Funes, o memorioso

Evocando os mortos – Poéticas da experiência é um ponto fora da curva na história da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz. A atriz e produtora Tânia Frias enfeixa o caminho da individuação artística ao avançar em procedimento inaugural para ela e para os parceiros: a desmontagem. Trata-se de uma contradição aparente, mas indicativa da maturidade do grupo de Porto Alegre: há 38 anos imbuído da prática da criação coletiva.
Como se empenhada a trabalhar o universo simbólico para tornar-se si mesma – conforme o teórico suíço Carl Gustav Jung propõe o autodesenvolvimento no estágio intermediário da vida –, a atuante justapõe campos pessoais e gregários em falas e ações vislumbradas por meio de quatro personagens paridas em diferentes momentos, entre 1999 a 2011, portanto metade dos 22 anos de vínculo da atriz com o grupo.
Ela revisita os processos de criação que deram sopro a três papeis femininos e um masculino. Em ordem cronológica: Ofélia em Hamlet máquina (1999), a partir da peça homônima do alemão Heiner Müller; Kassandra em Aos que virão depois de nós – Kassandra in process (2002), a partir da novela Kassandra, da alemã Christa Wolf; Sasportas em A missão – Lembrança de uma revolução (2006), novamente a partir de texto de Müller; e Sophia em Viúvas – Performance sobre a ausência (2011), a partir de peça e da novela Viudas, do chileno Ariel Dorfman.
Ao acolher a desmontagem, por sua vez, o Ói Nóis reafirma predisposição genética de abertura à investigação. Arrisca-se ao assimilar o enraizamento da individualidade em coabitação com a ideologia coletiva presente nas demandas de pesquisa, criação e autogestão.
Num dos ensaios de O ator-performance e as poéticas da transformação de si [1], Cassiano Sidow Quilici aborda a experiência de relação com o mundo. Inspirado a pensar as formas de estar junto, o pesquisador afirma que, num processo criativo, isso equivaleria a “estar ao lado”, feito o waki no teatro Nô, o ator coadjuvante, “presença que não se sobrepõe e que testemunha o que germina ainda informe em cada um”. A força dos processos coletivos ou colaborativos proviria da consonância com qualidades de estar sozinho:

Ocupar-se de si é a tarefa de se reconhecer com esse desassossego originário e atravessá-lo. Ir construindo, para tanto, um modo de vida e uma ética, uma estética da existência ou quem sabe até uma espiritualidade. Está certo, precisamos de amigos e pessoas que nos ajudem na empreitada. Os melhores são aqueles que avançam no próprio caminho. Eles sabem que não adianta se pendurar no coletivo, sentem quando há palavras demais, colaboram sustentando sua própria solidão, tal como a mãe serena ao lado da criança que brinca e às vezes se machuca. Pois a confrontação direta com o desassossego é pessoal e intransferível. E eis que, mesmo na pólis grega, o cuidado de si era entendido como precondição para aquele que queria exercer a atividade política. Desastroso seria envolver-se em assuntos públicos, em expandir a nossa ação no mundo, sem essa escuta primeira das questões, sem o trabalho sobre os próprios vícios e armadilhas. (Quilici)

Em sua aventura solo e conjunta, em todos os sentidos do ofício, nem a cidadã e nem a artista Tânia Farias descolam da coesão e do desvio pensados, discursados e praticados sob as égides da arte e do sonho de uma sociedade equânime e sem fronteiras.
A contracultura e o ativismo da Tribo foram deflagrados em plena ditadura militar e reelaborados estética e significativamente na última década e meia. Inescapável ponderar o dinamismo que a presença de Tânia Farias somou à investigação a partir de 1994.
Ela contribuiu para articular, por exemplo, três iniciativas que desde a década de 2000 valorizaram a inquietude estética em paralelo ao pensamento crítico: a realização de seminários e ciclos de debate; o registro da memória via livros e produções audiovisuais; e a publicação da revista Cavalo Louco. Essa trinca fomentou avanços em dramaturgia, atuação e espaço cênico segundo as vertentes do teatro de rua e do chamado teatro de vivência, em espaço multidimensional, ambas cada vez mais impregnadas de estratégias performativas.
Aliás, a prática da criação coletiva tem sido amplificada pela Tribo em atravessamentos desde que Viúvas – Performance sobre a ausência aportou uma terceira via entre a vivência e a rua: o teatro de ocupação em ilhas ou áreas desertas ou de pouca densidade. A encenação transcorreu na Ilha das Pedras Brancas (ou Ilha do Presídio), no rio Guaíba, no município homônimo vizinho à capital gaúcha, e na Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande, entre Guarujá e Santos, no litoral paulista, espaço militar do século XVI convertido em museu histórico.
Ocupar territorialidades provisórias permitiu sincronizar as diferentes disputas de pensamento no fenômeno das manifestações de rua contra a desigualdade socioeconômica, os vícios da representatividade política e os privilégios do sistema financeiro rentista (com a licença do pleonasmo), sanguessuga do Estado. Citamos protesto como o Ocuppy Wall Street (EUA, 2011) e as Jornadas de Junho e as Ocupas (Brasil, em 2013 e 2016, respectivamente). Este último movimento foi uma série de ocupações simultâneas em prédios do Ministério da Cultura (MinC) espalhados por 27 unidades federativas, resposta à ameaça de extinção da pasta pelo então provisório e depois ilegítimo governo de Michel Temer (PMDB).
Por extensão, o ato artístico-cultural que subverteu os usos de uma ilha e de um forte remete ao apropriar-se de terras improdutivas como signo de luta por reforma agrária no país. A Tribo já contava sete anos quando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra ocupou a Fazenda Annoni, no norte do Rio Grande do Sul, em 29 de outubro de 1985, portanto há 31 anos, um divisor de águas na história do MST.
Essa introdução condiz com o perfil de resistência das personagens em Evocando os mortos – Poéticas da experiência. Ao rastrear momentos e materiais que a forjaram, e dos quais hoje tem plena consciência, Tânia Farias se aproxima do personagem-título do conto de Jorge Luís Borges, Funes, o memorioso, sujeito em permanente estado de vigília, senhor das horas a cronometrar os sonhos alheios, coletivos. Com o adendo da autocrítica que na atuante (ou atuadora, como prefere a Tribo) ecoa por meio da consciência do narrador. Este versa sobre o fictício Irineu Funes, peão de uma estância no sul do Uruguai.
Em resumo, certo dia o sujeito sofre um tombo e perde a capacidade de esquecer. Além das memórias mais remotas ou triviais, o presente resulta quase intolerável para ele, de tão rico e nítido. Na voz do narrador, em tradução do poeta gaúcho Carlos Nejar: “Pensei que cada uma de minhas palavras (que cada um de meus gestos) perduraria em sua implacável memória; entorpeceu-me o temor de multiplicar gestos inúteis”.
No caso da desmontagem, o roteiro é decisivo para equilibrar o tempo expositivo e o evocativo, a fala e a corporeidade, a musicalidade e o colorido latino dos figurinos, adereços e máscaras. Em formato intimista, com o público em semiarena, a atriz dispõe o trabalho a um só tempo autorreferencial e feito do movimento de dirigir-se a outro ser, percorrendo desde resíduos de pré-expressividade à cena em plenitude. Cada uma dessas quatro estações-personagens implicou um árduo percurso, meses a fio com seus pares, antes das respectivas temporadas originais. E agora são atualizados por meio da reinvenção da mulher que lhes deu um constructo.
O corpo de Tânia Farias é memorial de voz em primeira pessoa. Ao narrar alteridades ela tece pacientemente as gêneses, os durantes e as chegadas. As transformações causadas pela inscrição natural do tempo nas obras e nas consequentes circulações. Ao lembrar, verbalizar e corporificar, a atriz torna-se presença intermitente, ponte para esboços, escavações e sínteses jamais absolutas. Partituras físicas e vocais, silêncios preenchidos, bem como trechos de dramaturgia constituem disparadores para uma de/recomposição antropofágica das personagens a que dá sopro.
A “refazenda” abre com a Ofélia de Müller (1929-1995) e a disrupção da loucura, o corpo vibrátil diante da impossibilidade de diálogo. O autor para quem “escrever é uma luta contra o texto que surge” chegou a blocos de monólogos em que critica a experiência do Estado socialista na Alemanha Oriental (o que lhe custou censura) e questiona o papel do intelectual e do artista a partir da valorização da voz da mulher, aquela que Hamlet abafa e manda ao convento. Ele, o príncipe incapaz de aprender a amar.
Inspirada no ator polonês Ryszard Cieslak, discípulo do diretor compatriota Jerzy Grotowski, e no diretor e poeta francês Antonin Artaud, Tânia destaca a resistência muscular da irmã shakespeariana de Laertes como consequência da memória da dor do estupro do qual a atriz foi vítima, anos antes da estreia de Hamlet máquina. A contração total da carne acessaria, no dizer dela, a afetividade dos ossos. Sem vitimização, relata a violação coletiva cometida por três rapazes e um menor, uma criança de seus dez anos. Daí o entendimento da atuante de que Ofélia é uma força, não uma personagem.
E a versão de Müller de fato confere rebeldia a Ofélia com alusões diretas ou indiretas a Electra, que vingou a morte do pai na mitologia grega, e à jornalista, ativista e guerrilheira alemã Ulrike Meinhof (1934-1976), mãe de duas adolescentes, cofundadora da organização de extrema-esquerda Fração do Exército Vermelho (RAF, na sigla em alemão), mais conhecida como Grupo Baader-Meinhof. Uma mulher que difundiu ideias e pegou em armas para lutar contra a guerra, o fascismo, o nazismo; que defendeu os direitos humanos até ser presa, fazer greve de fome e suicidar-se.
A segunda voz evocada na desmontagem é a de Kassandra, talvez a mais parelha à personalidade de Tânia Farias, reconhecida pela poética de guerrilha dentro e fora de cena. “Faço a prova da dor como um médico que pinça o músculo para saber se está anestesiado. Eu pinço a minha memória. Talvez a dor morra antes da nossa própria morte”, afirma a personagem de Christa Wolf (1929-2011), que por sua vez bebeu do mito grego. A anti-heroína enuncia a verdade em tempos bélicos, acena com o gesto pacificador, mas não tem o poder de persuasão. Acaba engolfada pela brutalidade. O culto à clareza e a perspectiva humanista demandaram-lhe exercício multiplicador para lidar com as contradições em jogo.
A incisão e a liberdade de visões sociais e políticas de Kassandra ecoaram no perfil biográfico da atuante e de sua casa. No início da década passada, a Tribo acabara de mudar de sede pela quarta vez, da região central para a zona norte, num galpão alugado. A intensa mobilização por um endereço permanente culminou, em 2008, na cessão de comodato pela Prefeitura de Porto Alegre, quando o núcleo artístico-pedagógico completava 30 anos [2]. O contrato circunscreveu terreno da Cidade Baixa, mesmo bairro central da terceira das cinco moradas. A medida foi respaldada pelo orçamento participativo municipal. O mecanismo governamental que depende da disponibilidade da população demandou construir um centro cultural vinculado à Tribo.
Atendo-se brevemente a esse tópico, Tânia cita como foi e ainda tem sido desgastante dialogar com autoridades públicas, majoritariamente masculinas, que tendem a menosprezar a interlocutora porque mulher, jovem, atriz e miúda – um ser de 1,56 metro que em cena se agiganta. Ela enfrentou atitudes machistas, hostis, dissimuladas. Inclusive no ambiente do teatro de grupo, quando integrou comissões nacionais para demarcar, conjuntamente, reivindicações da categoria. Ponderando-se resquícios persecutórios, é como se houvesse um campo de disputa do lado de lá e outro do lado de cá, nas relações interpessoais.
A profetisa Kassandra se indispõe com o pai, com o Estado. Briga com quem tiver que brigar para rechaçar o fatalismo do “matar ou morrer”. Fala da preciosidade da vida, de sua fragilidade. “Age com uma loucura de potência, ao contrário da lógica masculina bélica” [3], como certa vez declarou a atriz em entrevista a este jornalista.
Após discorrer sobre a narrativa épica e o procedimento dramatúrgico da Tribo – de recortar e colar a partir da materialidade de um romance ou novela (de extensão mais curta, a exemplo do texto de Christa Wolf) –, o público é informado de que a dança do ventre foi praticada e estudada minuciosamente. O objetivo era incorporá-la à cena em que a personagem-título é iniciada no rito da deusa mãe Cibele, símbolo da fertilidade na natureza. Aos poucos, porém, os movimentos típicos dessa expressão milenar ficaram em segundo plano. Desapareceram os códigos coreográficos e resultaram subliminares na bagagem pessoal das atuantes ao longo dos treinamentos, ensaios e estudos. Assim, seus ventres permaneciam despertos, em estado consciente de irradiar energia corpórea. Nessa longa e por vezes dolorosa jornada de aprendizado e de descobertas do ofício, Tânia atravessou ainda uma das passagens finais do espetáculo, quando Kassandra é violentada por Ajax, guerreiro oculto no corpo do cavalo de madeira que cruza os portões de Troia para atacá-la – à princesa e à cidade por extensão.
Na obra seguinte, em vez do ventre, as mulheres concentraram os movimentos na região do quadril. No que a musicalidade e o ritmo dos tambores africanos contribuíram bastante. A apropriação da peça A missão – Lembrança de uma revolução, de Heiner Müller, converteu todos os negros em mulheres, como o coro de escravos. A questão racial desdobrou em gênero. Na trama, um grupo de revolucionários franceses vai à Jamaica, colonizada principalmente por ingleses, fomentar uma revolta de escravos. Temos um burguês, um camponês e um negro, este de nome Sasportas, interpretado por Tânia Farias.
Minorias foram redimensionadas no estímulo à revolta encarnado por Sasportas, cuja atitude de não retornar ao solo dos colonizadores e juntar-se aos cidadãos que foram subjugados coloca em xeque o tema da traição. Dar musculatura às palavras é a ambição da atriz que pulsa a ação a partir da bacia, a pelve a unir os ossos ilíacos com o sacro e o cóccix.
A Jamaica, por sua vez, foi associada a outro país caribenho, o Haiti, primeiro a abolir a escravidão, em 1794, graças aos que resistiram bravamente com facões, paus e ferramentas. Vem daí a corajosa ascendência de um povo que padece das sequelas contemporâneas geradas, em parte, pelos desastres naturais. Como se não bastassem os sucessivos ciclos de convulsão sociopolítica, corrupção e miséria enfrentados sob ditaduras militares, entre o final da década de 1950 e os anos 2000. Aliás, nos últimos 12 anos o Haiti convive com forças da ONU a reboque da Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti, a Minustah, encabeçada pelo Brasil e seu Ministério da Defesa, como se a etapa de colonização não cessasse.
A violência institucionalizada que boa parte da América Latina conheceu na pele, sob regime militar, domina o quarto espetáculo revisitado, Viúva – Performance sobre a ausência. Um grupo de camponesas quer saber do paradeiro de seus filhos, maridos, pais ou irmãos. Tudo leva a crer que não estão vivos, foram “desaparecidos”. Por isso pleiteiam o direito de enterrá-los. As mulheres são lideradas, não sem oposição, por aquela que ousa questionar o autoritarismo sem dourar a pílula: Sophia.
Essa personagem central na novela de Ariel Dorfman, Viudas, depois adaptada ao teatro em parceria com o estadunidense Tony Kushner, é a conexão definitiva de Tânia Farias e da Tribo à prática artística da desmontagem. Esta foi transmitida através de encontros, a partir de 2010, com o Grupo Cultural Yuyachkani, do Peru, e com a pesquisadora Ileana Diéguez, cubana radicada no México, nomes referenciais para sistematizar os processos criativos do ator e da atriz de teatro de grupo em contexto latino-americano [4]. Os atuantes peruanos Ana e Casafranca presentearam Tânia Farias com canções em quéchua que foram incluídas no espetáculo. A tradição andina é de fato um pilar em Viúvas, moldando a sonoridade e a ritualidade.
Sophia está na casa dos 70 anos. A capacidade de indignar-se provém da sabedoria da vida e do inconformismo por causa da afronta aos direitos humanos no vilarejo em que vive. Os homens foram extirpados da comunidade, território alvo de uma multinacional do agrotóxico. Desinteressada em caracterizar corporalmente uma septuagenária, a atriz agregou uma solução despojada e cirúrgica: sua Sophia mancava de uma das pernas, assim como a filósofa e economista polaco-alemã Rosa Luxemburgo (1871-1919), em consequência de uma cirurgia na infância. Quando a dramaturgia abre uma clareira em flashback para a personagem rememorar como conheceu seu amor, Miguel, numa festa cenicamente celebrada na partilha de pão e vinho com o público, a jovem Sophia aparece com os pés firmes no chão. Segundo a atuante, seu corpo estava inteiro, sem marcas. “A perna que não podia mover-se normalmente não esteve sempre aí. Era uma cicatriz, uma marca dos anos de espera.”
Segundo a ensaísta estadunidense Susan Sontag (1933-2004), a fotografia constitui uma gramática e, mais importante, uma ética do ver. “Ao cabo, o resultado mais nobre da atividade fotográfica é dar-nos a sensação de que podemos sustentar o mundo inteiro sobre os ombros – como uma antologia de imagens” [5]. Sontag escreveu isso em tempos analógicos, mas a analogia nos serve. Na apresentação de Evocando os mortos – Poéticas da experiência, o pacto da artista com o público não tem filtros. É acústico. Tânia Farias emociona quando a narrativa abre janelas para tanto. Os olhos dizem. Ela sabe o que a presença do espectador é capaz de provocar. E o que as lembranças e os ancestrais ativam. É uma mão dupla: afeto, performance, pedagogia, silêncio. Tudo em nome dessa aprendizagem sem fim ou o teatro dos prazeres e das dores.
Como uma Cacilda Becker (1921-1969) que dirigiu comissão estadual de teatro, frequentou assembleias dos artistas, acreditou no trabalho de companhia (descontadas as gradações atuais) e foi feminista em muitos aspectos da vida quando essa formulação ainda não existia, Tânia Farias faz da desmontagem um inventário de escolhas que dizem muito a respeito da importância de sua arte para o teatro brasileiro. A cada mergulho criativo ela costuma adotar uma caixinha de imagens (nem sempre física, pode ser na cachola) e abrir um diário pessoal de montagem. Desmontar a desloca para outro lugar, pela e com a Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz.
.:. Escrito no contexto do projeto Crítica Militante, iniciativa do site Teatrojornal – Leituras de Cena contemplada no edital ProAC de “Publicação de Conteúdo Cultural”, da Secretaria do Estado de São Paulo. Artigo publicado em 24.out.2016. Parcialmente editado para a revista Cavalo Louco.
.:. Valmir Santos é jornalista, crítico e coeditor do site Teatrojornal – Leituras de Cena. Autor de Aos que virão depois de nós - Kassandra in process: o desassombro da utopia (Tomo Editorial, 2005).

Referências:
[1] QUILICI, Cassiano Sydow. A solidão colaborativa. In: O ator-performance e as poéticas da transformação de si. São Paulo: Annablume, 2015, pp. 67-71.
[2] Em 8 de junho de 2016 a Prefeitura de Porto Alegre comunicou o início das obras. O edifício de três andares e mezanino deve abrigar espaços multiusos e biblioteca. Está orçado em R$ 6,15 milhões, sendo R$ 1,4 milhão proveniente do MinC.
[3] SANTOS, Valmir. A criação do horror. In: Folha de S.Paulo, Ilustrada, p. 1, 16 mar. 2004.
[4] A prospecção para Viúvas – Performance sobre a ausência coincide com a realização, em 2010, de duas ações irrigadoras do pensamento e da prática da desmontagem no Brasil. A primeira foi o Festival de Teatro Popular – Jogos de Aprendizagem, de 5 a 11 de julho, que programou, entre outras atividades, os solos Adiós Ayacucho, com Augusto Casafranca, e Rosa Cuchillo, com Ana Correa, ambos do Grupo Cultural Yuyachkani e dirigidos por Miguel Rubio Zapata. Na ocasião, aconteceram duas demonstrações de trabalho: A rebelião dos objetos, com Ana Correa, e Processos de criação, com o paulista Eduardo Okamoto. A segunda ação foi o seminário “Teatro, Performance e Política”, de 30 de novembro a 3 dezembro, em que Ileana Diéguez abordou o tema Cenários liminares – teatralidades, performance e política (ela é professora/pesquisadora no departamento de humanidades da Universidade Autônoma Metropolitana, na Cidade do México, e autora de Des/tejiendo escenas. Desmontajes: procesos de investigación y creación, 2009), e Zapata falou sobre O corpo ausente (performance política) – ele é cofundador do Yuyachkani. Foi nesse seminário que o diretor provocou Tânia Farias sobre quando ela faria sua desmontagem. A partir daí ficou mais claro, para a mesma, a percepção de “poéticas da experiência” em contraste com a prática da demonstração técnica disseminada desde a década de 1980. Em nível internacional, temos o exemplo do grupo dinamarquês Odin Teatret (com artistas como Eugenio Barba, Roberta Carreri e Julia Varley). No Brasil, em Campinas, o núcleo Lume Teatro (Luís Otávio Burnier e Carlos Simioni).
[5] SONTAG, Susan. Ensaios sobre fotografia. Rio de Janeiro: Arbor, 1981, p. 3.