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Domingo,
dia 8 de março, a Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz inicia o
Projeto Caminho Para Um Teatro Popular, com a encenação do
espetáculo de Teatro de Rua “Caliban – A Tempestade de Augusto
Boal” no bairro da Restinga. A apresentação será às 17 horas na
Praça em frente ao Condomínio Belise (próximo da rua Dr. João
Dentice). O Projeto foi contemplado com o Prêmio Culturas Populares
2019 – Edição Teixeirinha, do Ministério da Cidadania do Governo
Federal.
O
Projeto Caminho Para Um Teatro Popular, criado pela Tribo de
Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz em 1988, é um circuito regular de
apresentações em praças, bairros e vilas populares de Porto
Alegre. Esta ação tem como principal objetivo democratizar o espaço
da arte, oportunizando vivências e reflexões para um público sem
acesso aos meios culturais hegemônicos.
O
projeto, nesta etapa, prevê a circulação da Tribo de Atuadores Ói
Nóis Aqui Traveiz com seu mais novo espetáculo de teatro de rua
Caliban
- A Tempestade de Augusto Boal em
5 bairros populares (Restinga, Humaitá, Sarandi, Bom Jesus e no
Parque da Redenção) de diferentes regiões de Porto Alegre.
O
projeto valoriza e difunde as manifestações culturais da cidade,
favorecendo o desenvolvimento de um teatro popular e ampliando as
opções de lazer e cultura para jovens e adultos. O circuito de
teatro de rua abrange todas as camadas sociais e faixas etárias e
promove o acesso do cidadão à cultura. Todo trabalho desenvolvido
pela Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz em sua trajetória de
42 anos tem como preocupação fundamental a descentralização das
atividades artísticas. O teatro de rua traz em sua linguagem
singular uma outra noção estética advinda do que é próprio ao
ambiente aberto e público. Construído a partir de um trabalho sério
e consequente de um dos principais grupos do teatro brasileiro e
caracterizado pela rica comunicação visual e auditiva, o espetáculo
Caliban – A
Tempestade de Augusto Boal
leva para as ruas o lúdico e a reflexão histórica, intervindo no
cotidiano das pessoas, que vêm sua rotina alterada de surpresa. O
teatro é um poderoso instrumento de desvelamento e análise da
realidade. Constitui laboratório
para a imaginação social,
com efeito, a sua função é social: contribuir para o conhecimento
dos homens e ao aprimoramento de sua condição. Teatro é local
de divertimento e ensino,
portanto instrumento de humanidade e transformação. O trabalho da
Tribo de Atuadores é exemplo nacional, ao fundir arte e política
mediante a investigação e produção de espetáculos de grande
mérito cultural. Suas obras nunca deixaram de ser contemporâneas
pelo forte enraizamento na comunidade e realidade social, levando à
cena questões importantes da atualidade. A Tribo provocou e segue
provocando o público a refletir sua condição individual e social,
através de uma estética experimental, um modo de atuação
envolvente e a colocação de perguntas urgentes para os nossos dias.
A
partir de meados do século XX, Caliban, personagem da peça “A
Tempestade” de William Shakespeare, escrita em 1611, tem sido
adotado por diversos autores do Caribe e América Latina como ícone
cultural, sendo considerado um emblema das populações originárias
colonizadas. Caliban, anagrama de canibal, na peça do bardo inglês
é o personagem nativo da ilha tropical onde Próspero, duque de
Milão que foi traído e usurpado de seu poder, e sua filha Miranda
vão encontrar abrigo. Caliban é escravizado e segue as ordens de
Próspero, que se apresenta como um benfeitor, por lhe perdoar a vida
e lhe ensinar sua língua. Shakespeare apresenta Caliban como um ser
humano inferior em todos os sentidos. Em seu livro “Caliban e
outros ensaios” o escritor cubano Roberto Fernández Retamar vai
ressaltar a potência da figura de Caliban para assinalar o passado
de exploração e escravidão de uma América ainda desejosa por
lutar contra o domínio imperialista. Ao explicitar que somos todos
Caliban, Retamar nos chama atenção para as implicações de se
repensar a história a partir do “outro lado”, do olhar dos
vencidos, assumindo a condição de Caliban. E é sobre a influência
de Retamar que o diretor e dramaturgo Augusto Boal (1931-2009),
conhecido mundialmente pelos princípios e as técnicas do Teatro do
Oprimido, vai escrever a sua versão de “A Tempestade”, afirmando
que a peça é uma resposta ao clássico de Shakespeare. Escrita
enquanto Boal estava no exílio, em 1974, período em que os
movimentos sociais latino-americanos sofriam uma grande derrota
frente ao imperialismo estadunidense e eram terrivelmente reprimidos
pelas ditaduras civil-militares. Na versão de Boal a história é
vista pela perspectiva de Caliban, metáfora dos seres humanos
originários da América que foram dizimados e escravizados pelos
invasores colonizadores representados pelo personagem Próspero. O
duque de Milão é tão perverso quanto os nobres europeus que
usurparam o seu poder. Todos representam a violenta dominação
colonial e cultural. Sua filha Miranda e o príncipe de Nápoles,
Fernando, fazem uma aliança não por amor como na peça de
Shakespeare, mas sim por interesses capitalistas. Ariel, o “espírito
do ar”, representa o artista alienado, mescla de escravo e
mercenário a serviço da ordem constituída. Somente Caliban se
revolta até ser finalmente, derrotado. Os vilões permanecem na
“ilha tropical” para escraviza-lo. Mesmo escravo, Caliban
resiste. A Tribo,
sem trair a sua vocação artística, quer com o seu Teatro de Rua
instaurar a alegria e a indignação nos seus milhares de
espectadores. Como em todo bom teatro político, o público deve
perceber que os símbolos da obra remetem à realidade, para
despertar neles – emotiva e racionalmente – uma resposta crítica
fora da ficção. Para seduzir o público anônimo e passageiro das
ruas das cidades, a criação coletiva do Ói Nóis Aqui Traveiz
investe em um movimento de cena dinâmico com personagens
excêntricos, utilizando adereços e figurinos impactantes com
máscaras e bonecos. A narração é toda contagiada pela música, o
canto e a dança. Mesclando os movimentos do coro com ações
acrobáticas, cenas de humor irreverente e personagens clownescos com
uma narrativa épica, “Caliban – A Tempestade de Augusto Boal”
reflete alegoricamente a nossa sociedade.
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