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A
Revolução Possível
Revista
Aplauso/ 2007
Crítica de Fábio
Prikladnicki
(Fotos Cisco Vasques)
(Fotos Cisco Vasques)
De
um espetáculo do tipo “teatro de vivência" da Tribo de
Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz
se
espera muitas coisas, sendo uma delas a utilização de uma narrativa
descontÍnua, fazendo com que o espectador se pergunte, a cada cena,
"O que está acontecendo". Assim também é em A
Missão (Lembrança
de
uma
Revolução), do
dramaturgo alemão Heiner Muller (1929-1995), que faz nova
temporada
no final de marco, na Terreira da Tribo, em Porto
Alegre,
depois de ter estreado em novembro
de
2006. Ao
contrário
de outros trabalhos, nesse não se opera nenhum
tipo
de colagem textual: a marca do Ói Nóis está essencialmente
na
encenação. O que não é pouca coisa.
Escrito
em 1979, o texto parece, ainda hoje, vanguardista e ousado. Não
apenas porque Muller é um dos maiores dramaturgos pós-modernos. Nem
apenas porque sua produção, escrita em plena Alemanha comunista,
tenha mantido vitalidade mesmo depois da queda do muro de Berlim. Uma
avaliação ainda mais precisa do impacto de A
Missão
veio
de
um espectador alemão, em uma das apresentações na Terreira,
segundo o qual o texto parece mais atual quando encenado em uma
cidade da América Latina, como Porto Alegre, do que na Alemanha.
Não
é difícil de entender por quê. Na peça, três emissários são
enviados pelo governo
francês
para estimular uma rebelião de escravos
negros
na Jamaica contra o domínio imperial britânico no período que se
segue a Revolução Francesa. Debuisson (Paulo Flores) é um médico
descendente de proprietários de terras na Jamaica, Galloudec (Sandro
Marques) é um camponês que acredita na "ordem sagrada da
monarquia e da igreja" e Sasportas é um escravo
negro
(ou escrava,
na
interpretação de Tânia Farias) com ganas revolucionarias. A certa
altura, eles recebem uma ordem oficial para abortar a missão, e cada
um se depara com os dilemas de suas posições sociais: abandonar a
revolução ou não?
O
desfecho não é nenhuma surpresa, já que a peça começa pelo
final: agonizando em um hospital-prisão em Cuba, Galloudec escreve
uma
carta a um certo senhor Antoine, lamentando o fracasso da jornada - o
que remete ao subtítulo da peça,"Iembrança de uma revolução".
Mas
isso significa a impossibilidade da revolução ou a necessidade de
uma nova?
"Heiner
Muller viveu,
na
Alemanha Oriental, o sistema opressivo do stalinismo, quando viu
esgotadas as possibilidades de um determinado tipo de revolução",
responde Paulo Flores. "Mas constantemente ele coloca uma
esperança que vem
das
margens, que nesse caso é o terceiro mundo: a América Latina, a
África, a Ásia."
"Teatro
de vivência"
é
a expressão que o Ói Nóis encontrou para descrever um tipo de
espetáculo em que os espectadores são conduzidos por diversos
ambientes, experimentando a sensação de estar lado a lado com os
atores (ou "atuadores", como eles preferem, para enfatizar
a função política e social do artista) No momento em que as cenas
acontecem. Desde 1978, quando foi criada, a Tribo já apostou em
abordagens radicais, como encenar em ambientes deliberadamente
claustrofóbicos - tudo para tirar o espectador de seu estado de
"passividade". Nesta peça, no entanto, o grupo procura
deixar mais espaço para que o público escolha o tipo de
aproximação. Não se trata, segundo eles, de uma “amenização”.
O “Ói Nóis não deixou de ser combativo", afirma Tânia
Farias. "A cada espetáculo se repensa de que forma o público
vai vivenciar a encenação com os atores. Só que, quando isso
surgiu, pela primeira vez,
causou
um impacto. Depois, houve mudanças na cidade, no público e no
próprio teatro." Há uma forte analogia, ao longo da peça, que
relaciona a exploração colonizadora à violência sexual - estupro
de escravas, repressão a homossexuais, e assim por diante. "Há
um momento em que o personagem Sasportas critica a “revolução sem
sexo” dos colonizadores, justamente porque a sexualidade está
sendo utilizada como instrumento de dominação", nota Carla
Moura, que interpreta uma das escravas, junto com Luana Fernandes.
Segundo o grupo, essa associação denunciada pelo texto e
responsável, pelo menos em parte, pela visão negativa da
sexualidade que predomina nas sociedades ocidentais.
Não
é a primeira peça de Muller no currículo do grupo, mas é uma das
que estão há mais tempo em gestação e marca, acima de tudo, uma
revisão da própria trajetória da Tribo: na montagem há citações
que resgatam objetos e detalhes cenográficos de peças anteriores.
"Quem tem o que citar é porque construiu uma história",
diz Tânia. Uma história, segundo ela, de coerência e ao mesmo
tempo de inquietação: "Não descuidamos da questão estética
porque temos muita coisa pra dizer. Pelo contrário, é justamente
por isso que damos atenção a cada detalhe".
A
Missão
comprova
a
excelência artística do grupo (recompensada com patrocínio da
Petrobras e renovado no final de 2006): cenários de encher os olhos,
figurino e maquiagem caprichados, iluminação precisa e atuações
irretocáveis, principalmente em se tratando de um texto repleto de
poesia e metáfora como este (mérito também da tradução
utilizada, a de Fernando Peixoto). Além dos já mencionados, estão
na peça Clélio Cardoso (no papel de Antonie e na cena do "homem
no elevador"), Marta Haas (destaque no monólogo da personagem
Primeiro Amor), Renan Leandro e Pedro Kinast de Camillis.
Em
suma, esta é uma peça sobre o papel do intelectual "burguês"
como transformador da sociedade - mesmo que a palavra "burguês"
possa parecer hoje um tanto ultrapassada. Trata-se de um convite para
que as elites intelectuais tomem parte em uma nova revolução que
supostamente pudesse evitar equívocos de revoluções passadas.
Pode-se chamar isso de utopia. Sem problema: para O Ói Nóis, utopia
é a revolução é possível.
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