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Jorge
Arias (Crítico
do Jornal ‘La Republica’ de Montevideo)
Fotos de Claudio Etges |
As
criações do “Ói Nóis Aqui Traveiz” são, infalivelmente,
originais. Há várias interpretações possíveis e muitas
encenações de “A Missão” de Müller; a dos “atuadores”
difere tanto da montevideana de Alberto Rivero, como da leitura
encenada de Luciano Alabarse, assim como da leitura deste crítico
sobre o texto.
Esta
pluralidade não é contradição ou incoerência, mas
riqueza; e a obra de Müller ganha em ser apreciada em suas distintas
faces e diferentes ângulos.
Vemos
na “Terreira da Tribo” o Müller poeta, o criador imaginativo
fantástico, de a “Descrição de Imagem”. Os ´atuadores´ deram
relevância ao Primeiro Amor, ao anjo do desespero e à cena do
Elevador, tão difícil de encaixar com o resto da peça, todas as
cenas onde o autor reivindica o espaço do sonho, da fantasia livre,
em suma, da liberdade humana; liberdade da imaginação que leva o
autor ao nosso mundo de hoje, à Ásia, África e à América
Latina, únicos lugares onde a civilização ocidental pode ser
desafiada. Na cena do Elevador, como demonstração de independência
e de invenção o “Ói Nóis Aqui Traveiz” colocou o homem em um
vão, praticamente em um poço. Como conseqüência, a visão
européia deu lugar a um outro olhar, por um lado mais particular,
que nos compromete, e por outro lado mais universal, na medida que
essa lâmpada acesa pelo autor ilumina nossos territórios, nosso
passado montevideano em particular, desonrado pela escravatura e pela
sujeição. Da mesma forma que se considerou a escravidão como
inerente à humanidade, nem o primeiro cônsul, nem a monarquia, nem
o capitalismo são inerentes. Tampouco é patrimônio da humanidade a
transmissão patrilinear do poder; mencionada finamente na encenação,
como nos assinalou Tânia Farias, quando os escravos são
representados exclusivamente por mulheres, o que alude a
uma segunda escravidão, ao “proletariado doméstico” de
Engels, sujeição da qual ainda não nos libertamos por completo. A
encenação tem uma riqueza de detalhes que à primeira vista não
podemos apreciar na sua totalidade. Na primeira cena, por exemplo,
na casa do Antoine, as pilhas de livros (que todos roçam e ninguém
chega a derrubar) e sua fantástica aparição saindo dos armários
como uma avalanche, sugerem a força física das idéias, a
imposição do intelecto sobre a vida, a obra daqueles que se
atreveram a enunciar idéias de liberdade que modificariam o mundo
com a Revolução Francesa. Tânia também ressaltou que a música
ouvida pelos espectadores, quando estes se colocam diante de uma mesa
posta para um banquete, é um concerto de Paganini; porém esta
escolha não foi feita ao acaso, mas porque Paganini trabalhou
durante anos como músico para a princesa Ana Bonaparte; reforçando
a importância de Napoleão em vários episódios da peça. Mas toda
esta criação infinita de detalhes e sugestões não foi realizada
em desacordo com o texto de Müller, senão sobre ele, seguindo quase
linha por linha, como se os limites, os obstáculos e as dificuldades
fossem a matéria do verdadeiro artista.
Quando
termina o espetáculo, onde assistimos dor, morte, fracasso e
desolação, o estado de ânimo é de entusiasmo. A encenação
torna real estas palavras de Müller a propósito do que o teatro
pode oferecer: “O trágico é de fato muito vital: vejo a morte de
um homem e isso me fortifica. No entanto, habitualmente, para a maior
parte das pessoas, é triste que alguém morra”. Müller, sem
dúvida um estóico, que não por acaso escreveu um poema ou
performance sobre a morte de Sêneca, disse que temos de viver “sem
expectativas nem desespero”.
Como
acontece com os espetáculos do “Ói Nóis...” tudo é claro e
preciso, tudo funciona perfeitamente, o ritmo não se quebra nunca,
apesar da pluralidade de cenários, tudo tem medida e intensidade,
audácia e bom gosto, transcendência e graça; e em todos os lugares
se ouve os roncos e grunhidos de Dionísio. A interpretação está
totalmente amalgamada, Tânia Farias cumpre com sofisticação o
difícil papel de fazer um homem negro (Sasportas) e Paulo Flores nos
deleitou com uma das suas melhores interpretações.
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