Confira o novo site da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui traveiz
SANTO/AMARGO
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Foto: Claudio Etges
Quase todo mundo conhece a
expressão de Marx: “é preciso mudar o mundo e não
interpretá-lo”. Hélio Oiticica vislumbrou uma outra direção: “é
preciso que o mundo seja mundo do homem e não mundo do mundo”. A
encenação de O
Amargo Santo da Purificação,
novo trabalho de rua criado pela Tribo
de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz,
de Porto Alegre, segue essa mesma vereda, trazendo à agenda um tema
– a transformação do mundo – e uma personagem – Carlos
Marighella – bem pouco convencionais.
A realização, estreada em
setembro de 2008, insere-se nas manifestações que recordam os
quarenta anos de morte do líder revolucionário brasileiro. Dado o
contexto, teríamos todos os elementos para mais uma peça de
agitação dos oprimidos, mais um exercício para a retórica
coletivista, mais uma encenação épica erigida sobre chavões.
Não é o que ocorre. A
primeira grande aventura do Ói
Nóis foi a de
privilegiar os poemas escritos pelo revolucionário e não seus
discursos ou textos de militância. O material dramático de base,
portanto, é de natureza lírica e, embora refira aqui e ali fatos ou
acontecimentos vividos por Marighella, sua matriz está fundada nos
sentimentos, nas emoções, nas aspirações que animavam essa
personagem. Essa opção ensejou a encenação enveredar pela
alegoria como modo expressivo preferencial, recusando o verossímil,
o documental ou o verismo.
Alegoria quer dizer falar
outro, ou falar
de outra maneira,
datando sua primeira aparição no terreno artístico nos tratados
retóricos latinos. Existem duas formas de alegoria: aquela empregada
para a construção da linguagem (escrita, visual, sonora, cênica
etc) e aquela empregada para a decifração das linguagens
(notadamente textual e visual), tornando-a, portanto, quer um
instrumento de construção quer um de interpretação.
Foto: Pedro Isaias Lucas
Espetáculo de rua, O
Amargo Santo buscou
no rico imaginário popular brasileiro suas matrizes expressivas, ali
selecionando fossem ritmos e passos fossem cores e formas, para
bordar um espetáculo quase que inteiramente coreografado, submetido
à dinâmica da alegria, da espontaneidade, da contagiante vibração
que exala, mas coeso, marcado, submetido a limites bem definidos.
Glauber
neoconcreto
Quem ousaria unir Marighella e
Xangô? Glauber Rocha, por certo, ou o Ói
Nóis; uma vez que a
leitura de mundo de ambos parte de um assemelhado impulso
neoconcreto: encontrar no corpo a verdade do mundo e das coisas. Tal
simetria surge em cena: ao ser preso na Bahia, ainda um jovem
militante do PCB, a personagem recupera a antológica cena da morte
de Corisco em Deus e
o Diabo na Terra do Sol.
Noutra passagem, ao romper com o partido e iniciar a luta armada, o
faz sob a inspiração de Xangô, a entidade que entra em cena para
lhe entregar seu machado, recuperação de cena assemelhada filmada
por Glauber em O
Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro.
A interpretação alegórica aqui possível é aquela de Hélio
Oiticica: é preciso que o mundo seja do homem.
Essas são algumas das cenas
que estruturam a montagem, suficientes para filiá-la à linhagem
tropicalista que a ajudou conformar-se. Outro momento de forte
impacto abre a realização, quando do encontro de dois cortejos, um
negro e africano e outro branco e italiano, os troncos materno e
paterno de Marighella, um mulato de nome italiano e com forte atração
pela cultura indígena. Temos aqui, literalmente, o espetáculo
das raças que
conformou o Brasil.
Foto: Pedro Isaias Lucas
Metáfora de impacto é a cena
que anuncia o golpe militar de 1º de abril de 1964. Um carro
alegórico adentra o espaço cênico ladeado por um batalhão de
policiais usando máscaras de gorilas, marchando em cadência e tudo
arrastando ao redor. Máquina de guerra, o carro recupera não apenas
a carnavalesca alegoria em seu sentido literal como, com muito apuro,
materializa o choque existencial daquele episódio histórico.
Sem apelar para clichês,
soluções convencionais ou supostos cânones de singeleza do teatro
de rua, a nova encenação do Ói
Nóis Aqui Traveiz
subverte, simultaneamente, vários códigos estabelecidos,
ratificando sua postura experimental, seu desembaraço em lidar com
proposições pouco ortodoxas.
Última ironia, nesse
espetáculo coalhado delas: seu subtítulo é “uma visão alegórica
e barroca da vida, paixão e morte do revolucionário Carlos
Marighella”, reenviando para a crença mística sua metafísica
trágica.
Edélcio Mostaço (Professor
universitário na UDESC, crítico e ensaísta)
A Jornada virtual do Ói Nóis Aqui Traveiz continua!
Próxima quarta (01/07), sai o 4° encontro da Jornada com Ói Nóis Aqui Traveiz - Poéticas de Ousadia e Ruptura". "Música de Cena ou Por Onde Vai a Trilha?" . Uma conversa com o músico Johann Alex de Souza, parceiro de longa data do Ói Nóis Aqui Traveiz na composição da trilha sonora para os seus espetáculos. É quarta, às 19H no canal do YouTube.
E na sexta (03/07) tem o Episódio 5 da Web Série "A Pedagogia do Ói Nóis Aqui Traveiz" - Oficina Popular de Teatro do Bairro São Geraldo. No Youtube e no Instagram.
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