Confira o novo site da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui traveiz
Versão memorável da Guerra de Tróia
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Kassandra in Process, o grupo Ói Nós Aqui Traveiz mostra como
estimular e distender os nervos do público
Mariangela
Alves de Lima (Estado de São Paulo em 08/2007)
Fotos de Claudio Etges
Quem
adota por nome de batismo um verso entoado pelos Demônios da Garoa
não está pensando em Londres ou Nova York. Apesar da carteira
de identidade verde-amarela, os gaúchos do grupo Ói Nóis Aqui
Traveiz trazem a São Paulo a sua leitura mítica da Guerra de Tróia
com um título parcialmente grafado em inglês e pitadas de outras
línguas no recheio. Em sintonia com as formalizações lendárias a
criação coletiva Aos Que Virão depois de Nós: Kassandra in
Process não tem pátria de origem nem se submete à circunscrição
temporal. Pode, por essa razão, recorrer à diversidade lingüística,
à superposição de estilos de diferentes épocas, ao entrelaçamento
de representações culturais arcaicas e contemporâneas de todos os
recantos do globo. No centro do espetáculo está o mito da princesa
e profetiza troiana, cujo destino é advertir aqueles que não
acreditam. Também por essa razão - os artistas-profetas de hoje são
igualmente vãos -, as referências históricas contidas na encenação
tornam-se em vez de advertência, lamento pungente endereçado às
gerações futuras. Nesta visão apocalíptica do impulso guerreiro
das civilizações, pouco sobra da esperança implícita no poema
brechtiano que o grupo emprestou para dar o subtítulo do espetáculo.
A julgar por essa criação, o grupo sulista confia pouco ou nada no
advento da época em que o homem será amigo do homem. De qualquer
modo, a ordem mundial do tempo presente empresta substância às
profecias beligerantes de todas as épocas anteriores. Estruturada
como uma antologia de escritos poéticos e filosóficos sobre a
catástrofe da violência intencional, a encenação refere-se mais
ao sentido filosófico e ao impacto psíquico do que aos fatos.
Cidades destruídas e populações exterminadas são documentadas de
modo verista pelos meios de comunicação e pelo cinema. No teatro
feito pelo grupo gaúcho, a memória da protagonista é o espaço
onde se desenvolvem em desordem cronológica as evocações dos
episódios da Guerra de Tróia, a reflexão sobre a futilidade do
conflito e a evocação breve da existência pacífica anterior.
Emprestados de autores clássicos e contemporâneos, recortados com
precisão e muito bem alinhavados, os textos utilizados no espetáculo
são genéricos quando tratam da pulsão de morte e lírico quando se
referem ao sofrimento individual dos guerreiros e dos habitantes da
cidade sitiada. A alternância entre a reflexão e o plano íntimo da
afetividade tem grande importância na formalização do espetáculo
porque atribui significados complementares aos ambientes reclusos ou
amplos que os espectadores percorrem no decorrer do espetáculo.
Enquanto rememora combates, saques, cortejos bélicos e atos
violentos, de um modo geral, a sacerdotisa Cassandra projeta voz para
ocupar espaços amplos, figuração da planície arenosa no entorno
da cidade sitiada ou da vastidão do palácio onde os priamidas
confabulam para sustentar uma guerra com motivos falsificados. Ao
reviver as alegrias do noviciado no templo de Apolo, as lembranças
da família, amigos e amores, a protagonista tem uma projeção de
voz mais contida e movimentos proporcionais ao espaço tratado com
revestimentos aconchegantes para que se mesclem sentimento e
sensação. Professando o credo do teatro ambiental, em que o
intérprete partilha com o público os estímulos físicos do espaço
e a área de atuação e recepção se alternam ou coincidem ao longo
do espetáculo, o elenco do Ói Nóis Aqui Traveiz assume os riscos
da opção pela mobilidade e pelo convite à participação. Nem
todos os espectadores reagem com a mesma rapidez a um convite para
mudar de lugar e a hesitação imprime ao espetáculo um ritmo mais
lento, por vezes em desacordo com o vigor das cenas de debate ou
confronto corporal. Em outros momentos, os intérpretes se demoram em
um achado a que, de modo evidente, atribuem valor estético e a
imagem perdura depois que o impacto se esgotou. Quase todas as
evocações de um passado tribal, idílico, em que se fundem os mitos
de agrários do Oriente e do Ocidente são formalizados de um modo
ingênuo, que nos parece debilitado pelo uso freqüente das mesmas
composições e materiais repetindo-se no teatro desde os anos 60 do
século 20.
Em compensação, há nesta visão nada
idílica dos homens cenas de extraordinário poder de síntese que só
poderiam ocorrer no teatro, porque dependem do engajamento físico do
público. É necessário peregrinar, pisar em superfícies insólitas,
galgar, descer e adaptar-se a graus diferentes de luminosidade para
se tornar sensível ao conforto do repouso e atento aos elementos
próximos e, por vezes, diminutos que o espetáculo mobiliza. Não há
dúvida de que o grupo conhece a técnica de estimular e distender os
nervos do público. No entanto, mais do que isso, tem a experiência
da relação dialógica que depende, em igual medida, das palavras,
dos estímulos visuais e sonoros e do ambiente compartilhado.
Há
muitas coisas memoráveis na encenação, mas a recriação da
atmosfera do regime nazista é um dos ápices. Nessa cena, o
macrocosmo é simbolizado por coisas de aparência delicada e
pungente. De uma pequena caixa, com um fio de linha manipulado por um
coro juvenil, vai-se desenhando um signo infame. Todas as cenas
subseqüentes, depois que a memória se resigna a enfrentar a queda
da cidade, a tortura dos combatentes capturados e o estupro e
seqüestro das mulheres, infâmia recorrente nos relatos de todas as
guerras em todas as épocas, formam um espécie de composição mural
gravada em alta definição com aquele selo do belo horrível que não
nos permite esquecer o que perturba.
As
criações coletivas são fruto de uma postura ética que divide os
créditos com toda justiça, porque teatro é sempre produção
coletiva. Nesse grupo, contudo, seria uma falsificação galante
ignorar o imenso talento, a maestria técnica, a doação absoluta de
Tânia Farias ao espetáculo. Quanto ao talento, não há o que
dizer, porque há pessoas assinaladas para o palco que, para nossa
sorte, não fogem ao destino. No que diz respeito à técnica, a
solidez do grupo é um excelente meio de cultura e o desafio
estilístico desse espetáculo, com seus variados autores, um campo
de prova adequado. Por fim, há a dádiva inscrita na carta de
intenções dos projetos coletivos e que, muitas vezes, se resume a
exaurir os intérpretes e deixá-los suados e resfolegantes. A
Cassandra feita por Tânia Farias não parece suar ou perder o
fôlego. Está fazendo um mundo e, talvez, descanse no sétimo dia.
Ói Nóis Aqui Traveiz em jornada virtual!!!
O terceiro encontro do "Poéticas de Ousadia e Ruptura - Uma Jornada com o
Ói Nóis Aqui Traveiz" traz o tema "Teatro e Memória", através de um
bate-papo com alguns dos atuadores do Ói Nóis Aqui Traveiz sobre a
ligação do grupo com a memória histórica e sobretudo sobre o impacto da
Performance “Viúvas – Performance Sobre a Ausência” no trabalho da
Tribo. Viúvas foi um espetáculo realizado em 2011 nas ruínas da Ilha das
Pedras Brancas, mais conhecida como Ilha do Presídio, localizada no Rio
Guaíba (RS) e em 2016 na Fortaleza da Barra, localizada em Santos
(SP).
A Jornada é uma realização da Associação dos Amigos da Terreira da
Tribo e fazem parte do projeto Terreira da Tribo - Ponto de Cultura.
#Episódio 4 - Interpretação Teatral é o quarto episódio da Websérie
"Terreira da Tribo: A Pedagogia do Ói Nóis Aqui Traveiz". Este episódio
desvela brevemente o processo pedagógico das disciplinas de
Interpretação A e Interpretação B, com suas respectivas técnicas e
teorias, facilitadas pelos professores Paulo Flores e Tânia Farias.
Disciplinas específicas também da Oficina de Formação de Atores da
Escola de Teatro Popular da Terreira da Tribo.
A websérie é uma realização da Associação dos Amigos da Terreira da
Tribo através do projeto Terreira da Tribo - Ponto de Cultura.
Videomaker: Eugênio Barboza.
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