Antônio
Holfeldt (Jornal do Comércio, 13 de Agosto de 1999)
Fotos de Claudio Etges
A estreia de Hamlet Máquina, do dramaturgo alemão contemporâneo
Heiner Müller, pelo grupo Ói Nóis Aqui Traveiz, é um
acontecimento verdadeiramente ambíguo. A ambiguidade nasce do fato
de a montagem desta peça, que consagrou e projetou
internacionalmente o dramaturgo da Antiga Alemanha Popular, ser, por
certo, uma feliz oportunidade para nosso teatro, mas, por outro lado,
comemorando os quinze de localização da Terreira da Tribo, espaço
cênico onde o Ói Nóis Aqui Traveiz desenvolve suas pesquisas e
interferências na cidade, constitui-se também em seu canto de
cisne: ao final de agosto, interrompendo a sua temporada, a Terreira
da Tribo fechará suas portas e o Ói Nóis Aqui Traveiz estará na
rua, motivado, dentre outras coisas, pela decisão (ambígua) da
Prefeitura Municipal de Porto Alegre em se negar a dar qualquer apoio
ao grupo.
A ambiguidade é mais significativa, se formos capazes de fazer a
correta leitura do texto de Heiner Müller, que tem provocado
controvérsias entre a direita e a esquerda, desde sua estreia. Para
a direita, era um ataque de Müller, o mais fiel e leal seguidor dos
princípios marxistas na dramaturgia do Leste europeu, contra os
“crimes” do comunismo soviético. Para a esquerda, era a
“traição” de Heiner Müller a seus camaradas, num oportunismo
lamentável, na medida em que, no ano de 1977, quando a peça
estreou, já se tinham vários e preocupantes sinais quanto à
decadência da “cortina de ferro”.
Na
verdade, a obra de Müller não é nem uma nem outra
coisa, senão a expressão de um sentimento de frustração e de
derrota de quem, acreditando, ao longo de décadas, em determinados
valores, via que a maneira pela qual eles haviam se transformado em
práxis político-administrativa estava absolutamente equivocada e
redundara em fracasso. Incomodava ao homem de esquerda ver que seus
companheiros haviam se equivocado. A melhor metáfora deste
sentimento, no espetáculo assinado por Paulo Flores (e que é mérito
do diretor; já que não se encontra explicitado no texto) é uma das
cenas finais, quando, nos vídeos de televisão, aparece a figura de
Stálin, morto, e as três atrizes, nuas, desfilam portando cabeças
gigantescas de Marx, Lênin e Mao: a ambiguidade da retórica
racional esvaziada (das cabeças), com a possibilidade de se “parir”
um novo socialismo (nos ventres e vaginas constantemente indicados
pelas atrizes em seu estranho balé, partes do corpo feminino
produzem o “novo”).
Hamlet
Máquina, na versão do Ói Nóis Aqui Traveiz, é uma insólita
viagem por um inventário de traições e equívocos constatado por
Heiner Müller, mas que pode ser transportado e lido, com triste
atualidade, para esta Porto Alegre do quase novo milênio. Sobretudo,
se levarmos em conta que será durante uma administração pública
que se diz popular e “de esquerda”, que o polêmico e histórico
grupo teatral será “despejado” de sua tradicional sede, pelo
aumento do aluguel e pela negativa da Prefeitura Municipal em
auxiliar o grupo.
Independente
desta questão que – espero – possa ter ainda uma solução até
o final do mês de agosto, a montagem de Hamlet Máquina é uma
aventura cênica, imperdível e, uma vez mais, inesquecível,
evidenciando a maturidade e a inventividade do Ói Nóis Aqui
Traveiz, sua coragem na desmitificação da realidade e, talvez por
isso mesmo, sua impossibilidade de ser apropriado, quer pela direita,
que pela falsa esquerda.
A Jornada virtual do Ói Nóis Aqui Traveiz continua!
"Arte Pública", o quinto encontro da Jornada com Ói Nóis Aqui Traveiz -
Poéticas de Ousadia e Ruptura, marca um grande encontro de Paulo Flores e
Amir Haddad, mestres fundadores do Ói Nóis Aqui Traveiz e do Tá Na Rua,
respectivamente. Debatendo o conceito de Arte Pública na produção
cultural brasileira e na defesa do Teatro de Rua como seu importante
pilar. Traçando uma conversa sobre as origens e pulsões criativas desses
contemporâneos grupos, suas dificuldades de realizar o trabalho da arte
pública e dos desafios destes testes novos tempos.
E na sexta tem o Episódio 6 da Web Série "A Pedagogia do Ói Nóis Aqui Traveiz" - Oficina Popular de Teatro do Bairro Restinga. No Youtube e no Instagram.
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