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Fernando
Peixoto
(Artigo
publicado no jornal Zero Hora, no dia 29 de março de 1997)
Fascinante
é o trabalho de permanente busca de uma linguagem cênica
aprofundada no terreno ideológico e artístico desenvolvido desde
1978 pela Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, de Porto Alegre.
Em espetáculos no múltiplo espaço de sua sala, o caminho tem sido
o mergulho na análise da condição humana através de uma linguagem
extremamente rica em símbolos e metáforas, ousando a investigação
de uma comunicação penetrante com o público como Fim de Partida de
Samuel Beckett, em 1986, Ostal (poucos espectadores ao redor de uma
cama num pequeno quarto), produção de 1987, e Antígona, Ritos de
Paixão e Morte, deslumbrante pesquisa de espaço e linguagem cênica,
em 1990. Ou, mais recentemente, uma versão criativa, resultado de
uma pesquisa ousada, Missa para Atores e Público sobre a Paixão e o
Nascimento do Doutor Fausto, de Acordo com o Espírito de Nosso
Tempo, de 1994. Ao mesmo tempo o grupo tem se empenhado num trabalho
de rua que assume abertamente a retomada de um teatro político que
instiga e provoca a consciência crítica, utilizando personagens em
pernas-de-pau ou bonecos gigantescos, o humor e a denúncia à
serviço de uma participação corajosa na abertura de uma reflexão
democrática e progressista, rara no teatro brasileiro dos dias de
hoje. O Ói Nóis chegou a colocar na rua um texto como A
Exceção e a Regra de Bertolt Brecht, em 1987, e uma adaptação
livre da peça Revolução na América do Sul, de Augusto Boal,
intitulada A História do Homem que Lutou sem Conhecer seu Grande
Inimigo, produzida em1988, e retomou um texto exemplar do CPC, Deus
Ajuda os Bão, de Arnaldo Jabor, trazendo a ação para os
assustadores tempos do governo Collor, assim como desenvolveu uma
dramaturgia própria e vigorosa em espetáculos de rua como Os Três
Caminhos Percorridos por Honório dos Anjos e dos Diabos e Se Não
Tem Pào Comam Bolo!, criações coletivas realizadas em 1993. O
primeiro uma versão livre de uma peça de João Siqueira, a
saga de um camponês que expulso da sua terra chega à cidade grande
e se transforma em líder operário; a segunda, assumindo como
referência inicial uma frase da rainha Maria Antonieta, da França,
e recorrendo aos fatos históricos para penetrar no cotidiano
brasileiro atual, discutindo tanto a fome como a opressão, a
corrupção e a violência da classe política, e isto através de
saltimbancos e contadores de história que, como afirma o grupo numa
nota publicada num programa “de uma forma satírica e divertida
cantam para o povo, nas ruas, o que a sociedade burguesa,
procura esconder: a luta de classes”. É também de 1990, o mesmo
ano de Antigona, a criação de um trabalho fascinante pela
força poética e pela teatralidade, um espetáculo sem palavras,
apenas deslumbrantes movimentos de corpos e máscaras, a Dança da
Conquista que, segundo o grupo, “coloca em cena o maior
genocídio da história da humanidade: a conquista da América pela
Europa colonialista”. “Genocídio de que somos todos herdeiros,
testemunhas e juízes.”E ainda: “Quinhentos anos depois,
assistimos a nossa sociedade permitir que se leve adiante um
verdadeiro extermínio em massa da nação Ianomâmi, último foco de
presença autêntica, intocada, do índio em terras da América”
Começando
a produzir no início de 1978, o Ói Nóis foi formado por um grupo
de artistas e estudantes de teatro insatisfeitos, segundo eles, com o
teatro e com o seu aprendizado. E preocupados com um trabalho que
respondesse ao momento social: “Desde o início esteve ligado aos
movimentos populares: a busca em sair do circuito habitual do teatro
e realizar um teatro mais eficaz, um teatro de combate, presente no
dia-a-dia da cidade, levou o grupo a atuar nas ruas”. E assim o Ói
Nóis Aqui Traveiz vem participando em manifestações ecológicas e
antimilitaristas contra o uso da energia atômica, as intervenções
teatrais surgem em portas de fábricas e junto a protestos contra a
violência política e econômica que sufoca os trabalhadores ou em
atos contra o extermínio indígena e contra a violência aos
operários, contra o FMI ou o perigo nuclear.
Desde
1988, o grupo vem igualmente desenvolvendo projetos como Caminho para
um Teatro Popular, criando um circuito regular de apresentações em
vilas populares, viajando pelo país, em encontros e festivais, e
também o projeto Teatro como Instrumento de Discussão Social, que
procura despertar a organização de grupos culturais nas periferias
através de oficinas em vilas e bairros longe do Centro. Na sala ou
na rua, Beckett e Brecht, o ser humano em sua condição
metafísica trágica ou vítima da luta de classes, a análise
poética e crítica do indivíduo ou do coletivo: caminhos e opções
aparentemente contraditórios, mas que se completam num
trabalho teatral de criação coletiva que não se detém
diante do já alcançado, que busca penetrar sempre mais fundo em sua
inquietação e perplexidade, transformado em instrumento de
reflexão e conscientização social e de combate à colonização e
às massificações culturais.
Desde
1984, o Ói Nóis Aqui Traveiz possui e valoriza sua sede de
trabalho, seu espaço definido e criativo, um centro de pesquisa
cênica e de busca de novas linguagens de comunicação teatral, uma
referência expressiva e conhecida em nível nacional: a Terreira da
Tribo é sem dúvida um ponto essencial do movimento cultural e
artístico de Porto Alegre, do Rio Grande do Sul, do Brasil. Não é
apenas um espaço para apresentação de espetáculos em múltiplas
diversidades, mas é igualmente um local de trabalho em busca
de uma narrativa sempre insatisfeita consigo mesma, em permanente
estado de avanço e investigação. Todo esse sempre surpreendente
trabalho de formação e informação precisa ter continuidade e para
isso é essencial que este fascinante espaço seja sempre defendido,
preservado e desenvolvido, para que essa instigante Tribo de
Atuadores permaneça como um exemplo de coletivo de criação
cultural em permanente estado de incontestável e dinâmico vigor
criativo, orgulho da ação cultural gaúcha e nacional.
Acompanhe a Jornada Virtual da Tribo no nosso canal do Youtube
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