Claudio Heemann
(Zero Hora, 10 de abril de 1989)
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A História do Homem que Lutou Sem Conhecer seu Grande Inimigo (1988) Foto: Arquivo da Tribo
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Em 1978 o
grupo de teatro experimental Ói Nóis Aqui Traveiz surgiu em
Porto Alegre conduzido por Paulo Flores. Sua proposta diferia de tudo
quanto o teatro da cidade tinha praticado até então. Apresentava
uma atitude radical de repúdio às convenções estabelecidas.
Abolia o palco e derramava-se no cotidiano dos espectadores.
Realizava uma procura de rompimento com a linguagem e a postura
tradicionais. O grupo surgiu num espaço próprio e alternativo, uma
garagem que tinha sido boate. Logo fez-se notar pelo inconformismo, o
ímpeto revolucionário e anárquico e as intenções devastadoras.
Usou técnicas de choque para tratar temas sociais, influir em
acontecimentos do dia e romper com os lugares comuns do teatro
burguês.
No espaço
cênico ou fora dele, ou na transformação de qualquer lugar em
espaço cênico, o Ói Nóis Aqui Traveiz levava suas convicções
para fora do momento da representação. Representando suas ideias
em qualquer lugar ou instância do existir. A anarquia contestatória,
o ritual surrealista, a agressão à plateia, o nudismo desbragado,
a força simbólica da encenação, o grotesco e a imagem onírica,
as denúncias pantomímicas contra a opressão e o absolutismo, a
revolta irracional, a interferência do cotidiano pessoal, o
manifesto contra as forças de dominação e controle social, o ódio
ao capitalismo, identificaram o Ói Nóis Aqui Traveiz e sua maneira
de ser e definir propósitos.
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Fim de Partida (1986) Foto: Isabella Lacerda
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Em
síntese, o Ói Nóis Aqui Traveiz preocupou-se em conscientizar plateias, buscando influenciá-las a repensar a realidade.
Autodefinindo-se como tribo de atuadores o conjunto procura funcionar
como agente de provocação, integrando-se à agitação de temas
políticos e ao exame de questões conflituadas. A princípio
trabalhando com um dramaturgo próprio (Júlio Zanotta Vieira) e
sempre organizando a contextualidade das encenações através de
adaptações especiais, o Ói Nóis Aqui Traveiz não deixou de
aproveitar autores como Genet, Beckett, Brecht e Augusto Boal. Nestas
variações de repertório o nível das montagens tem sofrido
oscilações. Mas sempre num sentido de crescimento formal do grupo e
coerência temática. Fiel ao ideário de reforma e denúncia a que
se impôs.
A intensa
atividade do grupo em oficinas, sessões de estudo e experiências de
laboratório e treinamentos fornecem uma equipe de sustentação
sempre renovada que trabalha no sentido de aproveitar a soma de
contribuições que a orientação coletivista proporciona. Chegando
agora aos onze anos de existência o Ói Nóis Aqui Traveiz, sediado
em seu segundo espaço específico (a Terreira da Tribo), continua
com o mesmo ímpeto e preocupação de ruptura em relação à ordem
e aos códigos dominantes, que usou ao surgir de modo devastador e
juvenil. A coerência com suas bases de lançamento e a persistência
no caminho que escolheu trilhar parecem ter amadurecido e
solidificado com a passagem do tempo.
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Ostal - Rito Teatral (1987) Foto: Arquivo da Tribo
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Nem mesmo
as premiações oficiais destinadas ao teatro gaúcho que Ói Nóis
Aqui Traveiz conquistou em realizações como Fim
de Partida (1986)
e Ostal
(1987)
parecem ter diminuído ou aplacado a inquietação do conjunto. Ele
permanece convicto de sua marginalidade em campanhas e combatem
alertas ao aqui-e-agora da situação contemporânea. Buscando
deflagrar – onde que surja um assunto ou tema socialmente sensível
– seu posicionamento e luta. Mostrando-se polêmico,
revolucionário, crucial, persistente no agitar de sua bandeira.
Nenhum outro grupo teatral tinha antes entre nós levado o
comprometimento com causas sociais a este nível de identificação.
O Ói Nóis Aqui Traveiz procura vivenciar e participar das crises do
mundo das quais ele é ao mesmo tempo, reflexo. Essa originalidade,
ao lado dos momentos de maior alcance expressivo de seus trabalhos
confere uma posição especial no panorama do teatro de Porto Alegre,
aos companheiros de Paulo Flores, em suas cerimônias tribais.