Nelson Abott de Freitas
(Diário Popular de Pelotas, 23 de agosto de 1988)
Fora
do páreo, houve a exceção, na abertura, dia 15, com o esfuziante e
belo espetáculo popular – A
História do Homem que Lutou sem Conhecer seu Grande Inimigo
– encenado na rua, às 17h de uma tarde de chuva, por conta do
grupo porto-alegrense Terreira da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui
Traveiz. Foi o momento mais entusiasmante do Festival.
Esse
espetáculo foi uma festa. Palhaços em pernas-de-pau. Tambores,
cores, alegria e barulho na rua, chamando o público para o teatro
que conta a história de Zé da Silva, o homem cansado de esperar,
acabrunhado, desempregado, ferido em sua dignidade pessoal, sem
forças, exaurido e morto pela fome. A peça, a partir do trabalho de
Augusto Boal – “A Revolução na América do Sul” – denuncia
a fome, a opressão, os mecanismos de alienação impostos pelo
governo, a corrupção, falando de problemas variados:
multinacionais, saúde, leis trabalhistas e TV. Nem mesmo a Igreja se
salva. Um trabalho feito com muita graciosidade e movimento,
explorando o humor do circo e o clima da comédia farsesca, com um
elenco homogêneo que cria sabiamente o tempo todo cenas riquíssimas
de fluência e comicidade.
O
grupo porto-alegrense, especializado em teatro de rua, consegue
manter a atenção do público por quase duas horas – de pé sob a
garoa – sem mostrar cansaço, seguindo interessadamente o
espetáculo. Pois o elenco trabalha emocionado, demonstrando
expressividade e espontaneidade nos menores movimentos. Uma peça
alegre, sem monotonia, sem vulgaridade e apelação – não se ouviu
um palavrão e nem se viu um gesto obsceno – divertida, mas fazendo
o público pensar.
Aí
está o grande teatro para o povo. O teatro informal – e bem
feito – levado às praças, bairros e vilas, como o teatro de
Moliére, vivo e colorido, brincando e dizendo verdades. O Grupo
Terreira da Tribo tem forte vínculo com o povo, porque é a partir
das raízes culturais, interesses, sentimentos e aspirações desse
povo que eles buscam o texto e elaboram a sua proposta estética. O
povo, então, se identifica com as personagens exibidas, vibra e se
emociona, e talvez passe a gostar de teatro. Bem-vindo a esse IV
Festival é esse grupo gaúcho.