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A Visita do Presidenciável

Claudio Heemann (Zero Hora, 18 de dezembro de 1984)


Foi em 1978 que o grupo “Ói Nóis Aqui Traveiz” surgiu num espaço alternativo na Rua Ramiro Barcellos. Pela primeira vez, na história do teatro local, Porto Alegre via experimentação anárquica, contestando, de forma radical, todos os valores burgueses. Era uma proposta revolucionária, de forte conteúdo político. A ruptura com as convenções cênicas do teatro tradicional era procurada através de estilização delirante e onírica. O espetáculo transformava-se num ritual insólito, envolvendo os espectadores. Nudez e agressão ao público faziam parte do tratamento de choque que o grupo utilizou na quebra dos moldes consagrados. O grupo logo passou a atuar nas ruas e interferir espetáculo a dentro nas encenações em cartaz na cidade. Algo como uma guerrilha urbana, o “Ói Nóis Aqui Traveiz” não era apenas um teatro de vanguarda, Quixotescamente repudiava toda a ordem político-social vigente. Era uma filosofia de vida e de ação que se derramava da área cênica para a participação real. Foram presos, perseguidos, repudiados. Mas conseguiram chocar, chamar a atenção, criticar, fazer pixação ideológica e levantar uma bandeira de revolução. A sala da Ramiro Barcellos terminou fechando e o grupo original dispersou-se. Sobrou apenas o guru Paulo Flores, com a firme intenção de manter vivo o espírito do “Ói Nóis Aqui Traveiz”. 
 



Agora, depois de silenciar durante algumas temporadas, o conjunto está de novo em atividade, sempre impulsionado por Paulo Flores. Conseguiu um espaço amplo na Rua José do Patrocínio, localizado nos fundos da boate Maria Fumaça. O local foi batizado de “Terreira da Tribo”. Paulo Flores reuniu novos adeptos e está apresentando um espetáculo característico do estilo que deu notoriedade ao grupo. O título é “A Visita do Presidenciável” ou “Os Morcegos Estão Comendo os Abacates Maduros”. 
 

 


Surrealista, metafórica, onírica, exacerbada, histérica, louca, colocada dentro de uma exuberante cenografia feita de escombros, trapos, detritos e um grotesco e informativo desenho pop, eis como acontece a peça do “Ói Nóis”. Os atores guincham falas às vezes indecifráveis e se comportam de modo convulsivo. O público se acomoda distribuído em pequenas cadeiras rústicas entre os diversos planos e áreas de ação. A plateia resulta envolvida nos rituais de denúncia e contestação que formam as cenas. Bonecos gigantes e agitáveis, nudismo, atores em transe, estímulos sonoros e visuais diversificados, produzem um clima denso, sublinhado pelo ritmo lento. A Visita do Presidenciável oscila entre a farsa e a visão apocalíptica. Mais sugerido que racionalizado, o espetáculo apresenta um mundo dominado pelo arbítrio, a crueldade e as forças de opressão. Nele só a oferta do amor, lembra, com poesia, os sentimentos humanos. É a cena em que Adão e Eva oferecem maçãs à plateia, executando um cerimonial de comunhão.

Menos agressivo do que em seus primeiros trabalhos, mais sólidos no uso da linguagem teatral, sempre fiel ao propósito de eliminação das estruturas burguesas e oligárquicas. A Visita do Presidenciável colocou o “Ói Nóis Aqui Traveiz” no panorama cultural da cidade. O grupo está em plena forma, com um quinteto expressivo de intérpretes, onde Paulo Flores e Gilmar Hermes são as figuras conhecidas.