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O REI JÁ ERA, COM LAMA E SEM FANFARRA

Claudio Heemann 
Foto de Loir Gonçalves 

O Grupo Experimental “Ói Nóis Aqui Traveiz” está apresentado, em sua sede na Ramiro Barcellos, outra de suas criações coletivas. Desta vez, adaptaram o trabalho de um teatro chileno e o batizaram com o título “O Rei Já Era, Parará Tim Bum”. O tema é a dominação do homem pelo homem. A intenção é criticar o poder e o totalitarismo. O enredo é simples. Alguns mendigos entram em conflito quando um deles faz-se coroar rei e passa a oprimir os outros. Paralelamente a isso, um casal de noivos, em cana muda, executa uma pantomima de aproximação interpessoal. Um piano, uma árvore de natal, uma mesa de festa coberta com um dossel, fazem ambiente para a cena dos noivos. Na outra parte da área ação,m um chafariz, colocado sobre a camada de terra verdadeira, transforma a sala do “Ói Nóis Aqui Traveiz” num lamaçal, onde os intérpretes dos mendigos chafurdam no chão e se enlameiam, envolvendo, no lodo, espectadores menos defensivos. 



Ao contrário dos outros espetáculos do grupo, “O Rei Já Era, Parará Tim Bum” não possui clima denso de ritual anárquico. A marca registrada dos primeiros trabalhos da equipe de Paulo Flores parece estar sendo abandonada. A tendência agora está mais para o espetáculo naturalista. Os diálogos dizem tudo que a encenação pretende, sem nenhuma moldura alegórica. O comportamento dos atores aproxima-se do realismo. As únicas figuras fantásticas são os noivos. Mas como eles se movimentam em praticáveis postos acima das cabeças dos espectadores, e para vê-los melhor é preciso ficar na lama, sujeito aos avanços conspurcadores dos “mendigos”, são pouco vistos. De qualquer modo, a ação acontece com os mendigos. São eles que verbalizam todas as intenções de crítica à situação senhor-escravo que a peça apresenta. E os intérpretes Jussemar Weiss e Paulo Flores estão plenamente satisfatórios em suas caracterizações. Transmitem bem o texto apesar do tom de sermão com que as falas estão recheadas. As colocações que “O Rei Já Era” pretende fazer chegar à consciência do público são transparentes. As mensagens estão óbvias. Com isso, o interesse do público fica reduzido. A encenação perde em força e expressividade. Há ainda o problema das inconveniências físicas da representação. Nenhum público normal de teatro poderá achar suportável a permanência no lodaçal em que o recinto do “Ói Nóis” se transforma. Creio que este tipo de realismo desconfortável aos assistentes – afasta as oportunidades de melhor comunicação. A peça fica cansativa e desagradável. Na noite em que assisti ao espetáculo, aliás, apenas cinco pessoas tinham ido ver “O Rei Já Era”. O clima do “Ói Nóis Aqui Traveiz” era o de vozes clamando no deserto. Um tanto desolador. É provável que o estilo de apresentação do “Ói Nóis” deva ser reformulado se o grupo desejar ser visto por alguém mais do que o círculo fechado de espectadores especiais. Com seu exacerbado extremismo, com as indignidades físicas a que submete seu público, o “Ói Nóis” está afastando a plateia. Neste sentido, o grupo poderá, em breve, cair num enorme vazio. Está operando à base de pressupostos muito rigorosos e fugindo às leis elementares da comunicação. Vai se isolar de tudo e de todos. A razão de ser do teatro é comunicar alguma coisa a um grupo. Cortar essa possibilidade é cortar o sentido da representação e tornar inútil o trabalho de cena. Como ninguém acredita que o “Ói Nóis Aqui Traveiz” não deseje comunicar-se com a plateia, espera-se, para seu próximo espetáculo, uma atitude mais racional.