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“A Morte e a Donzela” é um trabalho de pesquisa e criação coletiva baseado no texto do argentino/chileno Ariel Dorfman, que tem como temática a violência institucionalizada pelas ditaduras militares que se utilizaram da tortura como forma de domínio/coerção, marcando profundamente a consciência dos povos da América Latina e, consequentemente, a sua História. A encenação dá continuidade a investigação de um Teatro de Vivência desenvolvida pelo Ói Nóis Aqui Traveiz. Trata-se de resgatar o caráter ritual do teatro como encontro/confrontação com o Outro, como prática de transformação, de celebração da vida, à procura de uma unidade perdida. O teatro visto aqui, como ação capaz de instaurar uma outra ordem de realidade, através da ampliação dos estados perceptivos, do rompimento dos limites e referências habituais, espaço de metamorfose e criação. Que conduza a um renascimento, através de uma experiência da revelação. Uma tentativa de tornar visível o invisível, por uma via de apreensão direta, espontânea, onde não há distinção absoluta entre sujeito e objeto, e sim uma sintonia profunda que se estabelece entre o homem e o cosmos. Experiência extática, própria do teatro ritual, das origens do fenômeno teatral, forma singular de percepção da realidade. E que tal, como outras formas de comunicação também revela uma natureza simbólica. O Ói Nóis Aqui Traveiz entende que valorizar a expressão simbólica (no sentido junguiano), em grande parte resultado de um processo que se dá a nível inconsciente, é valorizar a especificidade da linguagem teatral, na qual a palavra não é o centro da ação, mas um de seus elementos, lado a lado com a linguagem das formas sensórias. Através da montagem da “A Morte e a Donzela” a Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz investiga a natureza da atuação teatral e da relação ator/espectador, explorando novas formas de expressão, baseadas na improvisação e na visão do ator como atuador e co-criador da encenação. A cenografia trabalha com a idéia de ambiente cênico com o espectador integrado ao espaço.
O texto coloca em cena três personagens cuja ligação é a repressão política e a tortura: marido, mulher/torturada e suposto torturador. Gerardo Escobar, advogado, sofre um acidente de menor importância em uma rodovia e é resgatado por um homem, Doutor Roberto Miranda, que amavelmente o leva de volta para casa; mas sua mulher, Paulina Salas, acredita reconhecer no bom samaritano o torturador que a violentou quando, há mais de uma década, a prenderam por atividades de oposição ao regime ditatorial vigente. Ela seqüestra o presumido culpado e decide julgá-lo por sua conta. Gerardo naquele momento encabeça uma comissão que tem por missão investigar os crimes da ditadura que tenham terminado em morte ou na sua presunção. O relatório final, todavia, não identificará os culpados e nem os julgará. A partir daí se estabelece o domínio da mulher sobre os outros personagens; o seu objetivo é a reparação pelos horrores sofridos durante a ditadura militar. A ação transcorre no momento que a nação está transitando para democracia. Colocando os três personagens num momento tão conflitante que lhes outorga transcendência, posto que suas ações ocorrem num país onde muitos se perguntavam como enfrentar o dano oculto que se lhes tinha inflingido, enquanto outros temiam que seus crimes fossem revelados. A encenação busca mostrar a angústia e a inquietação vividas por brasileiros, chilenos, e por todos latino-americanos que conviveram nesta última década , com o fim dos regimes militares: como podem repressores e reprimidos coabitar uma mesma terra, compartilhar uma mesma mesa? Como curar um país que foi traumatizado pelo medo, se este medo ainda continua fazendo seu trabalho silencioso? E como chegar à verdade, se nos acostumamos a mentir? Podemos manter o passado vivo sem nos convertermos em seu prisioneiro? E podemos esquecer este passado sem nos arriscarmos à sua repetição futura? É legítimo sacrificar a verdade para assegurar a paz? E quais as conseqüências para a sociedade se as vozes deste passado são suprimidas? Será possível um povo buscar justiça e igualdade se a ameaça de uma intervenção militar está sempre à sua volta? E em que sentido somos todos em parte responsáveis pelo sofrimento alheio, pelos grandes erros que conduziram a um enfrentamento tão terrível e quiçá ao dilema mais terrível de todos: de que maneira confrontar essas perguntas sem destruir o consenso nacional, que é o fundamento de toda a estabilidade democrática.
“A Morte e a Donzela”, tragédia contemporânea, não explora somente os temas tortura, justiça, medos e modos de curar uma sociedade, coloca também uma série de dúvidas: como é possível dizer a verdade se a máscara que vestimos acaba sendo idêntica à nossa cara? Como saber se a memória nos salva ou nos engana? Como conservar a inocência num mundo maligno e corrupto? Podemos perdoar aqueles que nos causaram um dano irreparável?
“A MORTE E A DONZELA”
Autor: Ariel DorfmanRoteiro, direção, cenografia, figurino e adereços: criação coletiva
Música: Rogério Lauda
Relato do processo de pesquisa: Beatriz Britto
Assistência de cena: Graziela Gallicchio e Sandro Marques
Criação das instalações cênicas: Gustavo Nakle, Isabella Lacerda, Paulo Ferreira, Pedro Rufino e Tânia Farias
Execução das instalações: Alexandre Garcia, Carla Moura, Isabella Lacerda, Paulo Flores, Pedro Rufino, Rogério Lauda, Rosane Cardoso e Tânia Farias
Mestre-de-obras: Antônio Motta
Iluminação: Julio Saraiva e Sandro Marques
Sonoplastia: Alexandre Garcia e Perseu Pereira
Contra-regra: Graziela Gallicchio
Elenco: Julio Saraiva, Paulo Flores e Tânia Farias
Estreia: 1° de agosto de 1997
Local: Terreira da Tribo
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