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A Missão (Lembrança de uma Revolução) escrita em 1979 por Heiner Müller, evoca cenicamente a revolta dos escravos da Jamaica nos anos seguintes à Revolução Francesa. Debuisson e Galloudec, o primeiro, herdeiro de terras na Jamaica, o segundo, camponês da Bretanha, bem como o negro Sasportas, jovem idealista que queria ver de perto a república criada pelos negros no Haiti, são enviados pela Convenção à ilha inglesa da Jamaica para liderarem uma revolução dos escravos. O ideário iluminista é, pois, exportado do centro para a periferia, pondo à prova a sua realizabilidade em meio a circunstâncias outras. Temos em A Missão uma ampliação do tempo e do espaço numa reflexão sobre a história que abrange o espaço hegemônico (Primeiro Mundo) e o periférico (Terceiro Mundo) - o trabalho de memória, através do olhar político do presente, chega até nós.
A peça insere-se na produção literária e teatral contemporânea como documento do nosso tempo, um tempo de crise, em que “tudo espera por história”. De um lado, objeto de colonização, exploração e refugo, de outro, lugar de caos e desordem, o terceiro mundo é visto por Müller como fermento do novo. A obra de Müller insere-se na “dialética poética do fragmento”. O trabalho com o fragmento tem várias funções, uma delas, de grande importância, é a de impedir a indiferenciação das partes numa aparente totalidade e ativar a participação do espectador. Na verdade, trata-se de uma continuação radicalizada do teatro praticado por Brecht, visando igualmente a uma abertura para efeitos, de forma a evitar que a história se reduza ao palco. O fragmento torna-se produtor de conteúdos, abrindo-se à subjetividade do receptor correspondendo ao que H. Müller chama de espaços livres para a fantasia, em sua opinião primariamente política, uma vez que age contra clichês pré-fabricados e padrões produzidos pela mídia. O fragmento provoca colisão instantânea de tempos heterogêneos, possibilitando a revisão crítica do presente à luz do passado.
A Missão segue a linha de investigação do grupo sobre o teatro ritual de origem artaudiana e performance contemporânea. Influenciado por Artaud, Heiner Müller é contra a separação palco-platéia, tendo em mente, devolver ao teatro a ‘função vital’ – efeito da linguagem pura, que tem a mesma eficácia que a palavra, podendo igualmente fazer pensar. Rompendo com a sujeição intelectual da palavra, a encenação buscará a linguagem da cena que, consistindo de tudo aquilo que pode se manifestar e exprimir materialmente numa cena e que se dirige antes de mais nada aos sentidos, uma linguagem feita de signos e capaz de transmitir uma emoção poética. Essa ‘poesia no espaço’ é descrita por Artaud como ativa e anárquica em sua ação dissociadora e vibratória sobre a sensibilidade. A poética cênica de A Missão dirige-se primordialmente aos sentidos, mas a intenção é também ‘fazer pensar’. O reconhecimento se faz, portanto, via corpo e intelecto. A aproximação entre o fragmento e a linguagem do corpo, como contrários à linguagem do poder e do conceito é outra ideia presente em Müller, que fala da rebelião do corpo contra o conceito. O ato cognoscitivo vem a posteriori, precedido pela experiência, por algo que não pode ser determinado de imediato, mas que só assim se transforma em experiência durável.
A MISSÃO - LEMBRANÇA DE UMA REVOLUÇÃO
Autor: Inspirado livremente em Heiner Müller
Encenação Coletiva da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz
Roteiro, cenografia, iluminação, figurinos e adereços: Criação Coletiva
Música Original: Johann Alex de Souza
Assessoria Teórica: Paulina Nólibos e Clarice Falcão
Pesquisa Iconográfica e Arquivos de Imagens: A Tribo
Produção: Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz
Equipe Técnica (Operação de luz/Sonoplastia/Contra-regragem/Bilheteria):
Edgar Alves, Sandra Steil, Denise Souza, Paula Carvalho e Lucio Hallal
Elenco: Paulo Flores, Tânia Farias, Clélio Cardoso, Marta Haas, Pedro Kinast De Camillis, Luana Fernandes, Renan Leandro, Carla Moura e Sandro Marques
Intérpretes em substituição: Paula Carvalho e Eugênio Barboza
Estréia: 9 de novembro de 2006
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